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Um torneio de tirar o sono

A dureza de conseguir dormir em cidades tão ao norte quanto São Petersburgo, em que as noites de verão são sempre brancas

Por Fábio Altman, de Moscou, e Natalia Cuminale
Atualizado em 30 jul 2020, 20h16 - Publicado em 6 jul 2018, 06h00

Das linhas iniciais de Noites Brancas, a pequena obra-prima de Fiódor Dostoiévski, de 1848: “Era uma noite maravilhosa, uma noite tal qual só é possível quando somos jovens, caro leitor. O céu estava tão estrelado, tão luminoso, que ao olhá-lo seríamos obrigados a nos perguntar infalivelmente: como pode viver sob um céu assim toda sorte de gente irritadiça e caprichosa?”. Hoje, cabe perguntar: como puderam dormir os jogadores das seleções que passaram por São Petersburgo, a cidade russa palco de um fenômeno da natureza que acontece de maio a meados de julho, em que o crepúsculo se estica sem jamais ceder à escuridão total? Para os turistas, o ar feérico do dia interminável e o tom leitoso do céu na madrugada convidam a caminhadas, à contemplação, ao romance a dois (embora, convenhamos, no verão petersburguês de 2018 tenha sido impossível a solidão, dada a quantidade de torcedores pelas ruas que nos informavam, o tempo todo, de que “em 58 foi Pelé, em meia dois foi o Mané”). Para os atletas, contudo, é um problema, sinônimo de dificuldade de pegar no sono.

“A preocupação com o sono dos jogadores é permanente, começou lá na Granja Comary, foi aperfeiçoada na preparação na Inglaterra e lapidada na Rússia”, disse a VEJA Luiz Crescente, médico fisiologista da seleção brasileira. “Dormir e comer bem representa a recuperação de um dia de treinamento ou jogo, simples assim.” Ainda no Brasil, os atletas receberam um documento com informações detalhadas do que deveriam fazer para cair nos braços de Morfeu, especialmente quando houvesse claridade em demasia vinda de fora, como é o caso de São Petersburgo. Ali foram disputadas quatro partidas da fase de grupos e uma das oitavas — e acontecerão ainda uma das semifinais e a disputa do terceiro e quarto lugares. São Petersburgo é a cidade mais ao norte a servir de palco de Copa do Mundo. Nela, é sempre dia no verão. São seu oposto polar a África do Sul e o Brasil, para citar as sedes das duas últimas Copas.

À semelhança do que fizeram outras seleções, a equipe médica brasileira listou recomendações rápidas, que soam banais, mas não o são. “Ambiente calmo”, “temperatura do quarto entre 21 e 23 graus” e uma “mesma rotina antes de dormir”, “sem cafeína e com escuridão total”. Nesse capítulo, os dirigentes da CBF, apoiados pelo fisiologista Crescente, fizeram um pedido particular, com dicas para manter o quarto mais escuro: “Feche toda a cortina da janela (blecaute) para obstruir por completo a entrada de luz (há velcros para auxiliar essa vedação)”. De quebra, sugerem que “se evite o uso de celular, tablet e TV antes do sono”. O zagueiro Thiago Silva reconheceu a dificuldade. “Não estávamos acostumados, houve dia em que chegamos mais tarde ao hotel, depois do jogo fizemos fisioterapia, e por volta de 1h30 já estava clareando”, diz. “O jeito foi seguir a orientação de não ficar no celular, no iPad, falando com as pessoas no Brasil, porque ia atrasar nosso sono.”

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O que é ruim para esportistas em excelente forma física pode ser ainda pior para os mortais comuns — e, nesse aspecto, as orientações são universais. O organismo funciona como se fosse um relógio de 24 horas, no chamado ritmo circadiano, e o ligar-desligar do mecanismo depende do ciclo de claridade e escuridão — e a remoção da escuridão bagunça as horas.

Sem luz, há produção de melatonina, substância conhecida como “hormônio do sono”. Na claridade, cessa a produção de melatonina. “A privação de sono afeta o humor e os reflexos”, diz a neurologista Andrea Bacelar, presidente da Associação Brasileira do Sono. E mais: estima-se que uma pessoa com menos de seis horas bem-dormidas tenha, em média, risco de mortalidade 13% maior em relação às que apagam de sete a nove horas. É um problema que afeta qualquer um, e pode ser péssimo para o desempenho de futebolistas. Estudo da Universidade da Califórnia concluiu que as taxas de contusões em atletas jovens aumentaram em partidas que se seguiram às noites brancas.

Publicado em VEJA de 11 de julho de 2018, edição nº 2590

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