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Três pecados capitais

Os erros que culminaram na eliminação precoce da seleção de Tite e marcaram o fim da geração do 7 a 1

Por Luiz Felipe Castro e Alexandre Salvador, de São Petersburgo
Atualizado em 13 jul 2018, 06h00 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00

Nem de longe a derrota por 2 a 1 para a Bélgica foi o horror dos 7 a 1 de 2014, ainda que o volante Paulinho tenha dito que “esta está sendo mais difícil”. No segundo tempo da partida em Kazan, premida pela necessidade de buscar o empate, a seleção de Tite atacou, teve um punhado de chances perdidas ou que pararam numa montanha chamada Courtois. Depois de sair atrás, o Brasil chutou vinte vezes a gol, mais do que qualquer outra equipe ao longo do torneio em igual tempo de jogo. Renato Augusto marcou de cabeça, mas foi pouco, e a estatística sumiu pelo ralo. Lá na frente, quando formos olhar o retrospecto histórico dessa geração brasileira em Copas, será inevitável enxergá-la como um grupo derrotado, e que em 2022 terá de ser completamente renovado. Tite levou para a Rússia nove jogadores acima dos 30 anos e outros nove que terão mais de 30 no Catar. Houve, claro, mudança no cotidiano da equipe, com mais profissionalismo e transparência, além de ela ter disputado as eliminatórias para a Copa com um desenho que beirou a perfeição. Mas o baque na capital do Tartaristão foi forte demais para desdenhá-lo.

A vergonha inesquecível no Mineirão e a eliminação honrosa em Kazan fazem parte de um mesmo capítulo — e, até a Copa de 2022, serão vinte anos sem título, seca só inferior aos 24 anos entre 1970 e 1994. Num e noutro fracasso, o de Belo Horizonte e o da semana passada, estiveram em campo Fernandinho, Willian, Marcelo e Paulinho. Thiago Silva e Neymar não jogaram com a Alemanha, há quatro anos — um punido com o segundo cartão amarelo; o outro afastado depois da agressão do colombiano Zúñiga —, mas eles são figuras centrais dos dois momentos. Saiu Felipão, entrou Tite, o avanço é evidente, mas, ironicamente, o time de 2014 foi mais longe que o deste ano. Terminou em quarto lugar. Agora, paramos nas quartas de final. É um resultado tímido para a tradição brasileira. Copas são como qualquer outra competição: uma única disputa ruim pode transformar heróis em vilões e boas soluções do treinador em bobagens. O fato é que a seleção de 2018 não fez uma Copa nem muito boa nem muito ruim. Como perdeu, é o caso de verificar o que andou em desarmonia. ­VEJA acompanhou a seleção desde o período de preparação na Inglaterra, conversou com personagens de dentro do grupo, ouviu familiares dos jogadores e, com base nesse conjunto de informações, extraiu os três pecados capitais cometidos nesta Copa.

1. A SOBERBA DE NEYMAR

Ele tinha o sonho de ser o melhor do mun­do, no rastro de Messi e Cristiano Ronaldo. Deixou a Rússia menor do que chegou. A Copa de 2018 será conhecida pela profusão de brincadeiras com a mania do atacante do PSG de exagerar ao sofrer uma falta, rolando 423 vezes no gramado. São impagáveis os vídeos que pipocam na internet com crianças jogando-se ao chão em escolas do México, do Panamá e da Bélgica, ao ouvir o comando: “Ney­mar!”. Há o Neymar que aparece rolando na esteira de bagagens do ­aeroporto, o Neymar que não para de rolar, veloz, disputando uma corrida imaginária com Mbappé. Neymar, o cai-cai, virou marca desta Copa — ainda que exista nela alguma injustiça. Mas o craque abriu a avenida da chacota ao tentar enganar o juiz na partida contra a Costa Rica, simulando um pênalti que não houve, e ser desmascarado pelo VAR (salve o VAR!).

Com seu comportamento, Ney­mar tornou-se um bode na sala, e a comissão técnica da seleção não soube como tirá-lo de lá. “Não é fácil ser Neymar, é difícil estar na pele de Ney­mar em alguns momentos”, disse o coordenador técnico da seleção, Edu Gaspar, depois do jogo contra a Bélgica. “Chega a dar pena, porque o que esse menino sofre não é brincadeira.” Não há dúvida de que os ombros de Neymar carregam um peso excessivo, com todas as esperanças de sucesso do Brasil na Copa depositadas nele, mas o atleta não ajudou, tampouco a leniência de Tite e seus auxiliares. A tônica era o paternalismo, a redoma de vidro a proteger a joia do cabelo miojo. Neymar participou de uma única entrevista coletiva durante a Copa, quando foi eleito o melhor em campo na vitória por 2 a 0 contra a seleção mexicana. Um jornalista pediu a ele que comentasse uma frase do treinador do México, o colombiano Juan Carlos Osorio, segundo o qual “é uma vergonha para o futebol que se perca tanto tempo com um só jogador”. Tite, que estava ao lado do craque na mesa, sabiamente não deixou que Neymar respondesse. “A hierarquia se mantém: técnico fala com técnico, atleta com atleta.” Mas Neymar saiu da entrevista sem dizer nada de aproveitável.

Quando o atacante derrubou lágrimas depois da apertada vitória contra a Costa Rica — uma piada sugeriu que se chamasse o VAR para verificar se o choro era mesmo de verdade —, Tite se apressou em dizer que também já chorou no futebol. Quando o induziram a dizer se conversara com o jogador, pedindo que reclamasse menos, foi lacônico: “Assuntos particulares eu não exponho de forma pública”. Em certo momento, o próprio Neymar chegou a sugerir que fosse marcada uma conversa dele com os jornalistas. A resposta foi não. É natural que se fizesse tudo para evitar que distúrbios externos prejudicassem o equilíbrio de Neymar, mas o craque não pode ser tratado como uma criança indefesa.

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Ao redor do bode e da sala, havia um círculo ruidoso, e a CBF não soube o que fazer com ele. Ressalve-se que, na eventualidade do título, todos estariam dizendo agora que os cartolas souberam oferecer o conforto necessário aos familiares e amigos de Ney­mar para que o gênio pudesse desfilar na Rússia. Como não foi assim, sujeitam-se a crítica. Os “tóis” e os “parças”, apelidos dados aos amigos que cercam Neymar, foram onipresentes nas redes sociais e fora delas. A Rede Globo e o pai de Neymar chegaram a costurar um acordo pelo qual os amigões parariam de criticar o trabalho da Globo, e a emissora, por sua vez, controlaria as críticas ao Neymar cai-cai. Como uma guarda pretoriana metida a valente, os “parças” até brigaram fisicamente num bar de Sochi ao defender o líder. Não podia mesmo dar certo, em caso de derrota. No fim da partida contra a Bélgica, um Ney­mar imaturo saiu mudo, de ca­ra feia, sem dar entrevistas.

Foi o colchão? - Marcelo deixa o campo: excesso de trabalho na academia (Maxim Shemetov/Reuters)

2. A GULA PELO PREPARO FÍSICO

Renato Augusto, o quase herói de Kazan, foi o primeiro a alegar “sobrecarga”, “um erro de ajuste de carga no treino” ainda antes do começo da Copa. Douglas Costa sentiu um estiramento na coxa direita na partida contra a Costa Rica. Sua mulher, Louise Ramos, revelou a versão do jogador ao jornal Extra: “Ele me disse que sente essas lesões porque os treinos são muito intensos. Sentiu porque o treino era mais leve na Juventus e, no jogo, ele se esforçava muito. Aqui mudou, e os treinos estão muito intensos”. Fernandinho chegou a definir os rachões como “brigas de galo”. Numa delas, inadvertidamente, uma entrada mais firme de Casemiro em Fred tirou o meia da Copa (permaneceu no grupo, outra decisão controvertida de Tite, mas não jogou). Marcelo deixou o campo no jogo com a Sérvia logo aos seis minutos — só voltaria contra a Bélgica —, com um suposto “espasmo muscular”. O médico Rodrigo Lasmar disse que era culpa do colchão, “um pouco mais macio no hotel”. VEJA apurou que Marcelo, antes da contusão, chegou a reclamar do excesso de atividade na academia. O preparador físico Fábio Mahseredjian nega erro de conduta. Diz que todas as atividades respeitavam o histórico e as premências de cada atleta. “Se todos tivessem machucados, o.k., mas foram só 10% do grupo”, disse.

RIGIDEZ - Até o filho de Tite, auxiliar técnico, pediu a ele que trocasse jogador (André Mourão/Mowa Press)

3. A PREGUIÇA DE MEXER

Tite pode ser acusado de qualquer coisa, menos de preguiça para trabalhar. Mas, na partida que tirou o Brasil da Copa, talvez tenha havido preguiça, ou lentidão, de trocar os jogadores que não funcionaram. Em 1958, Feola tirou Joel e Mazzola para a entrada de Garrincha e Pelé. Em 1994, Carlos Alberto Parreira tirou Raí e pôs Mazinho. Tite tinha um plano e nele seguiu, pétreo. Paulinho foi substituído em todos os jogos e continuou como titular. Gabriel Jesus, o centroavante sem gols, ficou em campo porque tinha uma “função tática”. Contra a Bélgica, 2 a 0 no placar, Tite tirou Willian e colocou Roberto Firmino ao lado de Jesus. Não funcionou, e aos dez minutos do segundo tempo finalmente sacou o ex-palmeirense para a entrada de Douglas Costa. Só aos 28 minutos trocou Paulinho por Renato Augusto. Na arquibancada, vendo o jogo de cima, Matheus Bachi, filho e auxiliar de Tite, pedia a Cléber Xavier, auxiliar técnico, que Taison entrasse. Não foi atendido.

Se a seleção tivesse passado pela Bélgica e chegasse a conquistar o título, é certo que os três pecados capitais — a soberba, a gula e a preguiça — estariam agora sendo celebrados como os três truques geniais que levaram o Brasil ao hexa. Mas havia três pedras no meio do caminho: Hazard, De Bruyne e Lukaku. Nada dramático, nada trágico. É apenas uma Copa do Mundo. E Copas do Mundo acontecem a cada quatro anos.

Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591

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