No mundo inteiro, atentados contra políticos são um terreno fértil para teorias da conspiração. No caso da facada em Jair Bolsonaro (PSL), que lidera as pesquisas de intenção de voto para a Presidência da República, a cartilha se repetiu. Tão logo veio a público a notícia de que o candidato fora esfaqueado durante um ato de campanha, em Juiz de Fora, no interior de Minas Gerais, seu vice, o general Antônio Hamilton Mourão, sem nenhum fundamento, acusou o PT de estar por trás do ataque. Depois, diante da descoberta de que Adélio Bispo de Oliveira, o autor do atentado, fora filiado ao PSOL entre 2007 e 2014, apoiadores de Bolsonaro passaram a denunciar uma orquestração das esquerdas. No lado adversário, teses fantasiosas também campearam — entre elas, a de que tudo era apenas uma armação para vitimizar o presidenciável e que a prova consistia na ausência de sangue na camiseta de Bolsonaro depois da facada. As teorias de direita e esquerda duelaram nas redes sociais, sempre negligenciando o fato de que, até agora, não há um único indício de conspiração nem de um lado nem de outro.
Uma semana após o atentado, o quadro clínico de Bolsonaro ainda é considerado delicado. Na noite da quarta-feira 12, ele foi submetido a uma cirurgia de emergência no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, para desobstruir o intestino delgado e afastar o risco de necrose em partes do órgão. O procedimento durou pouco mais de uma hora. Segundo o boletim médico divulgado na manhã de quinta-feira 13, Bolsonaro passa bem, e a complicação sofrida por ele é frequente em casos de grande trauma abdominal. Ainda não há previsão de alta — e ainda sobra a exploração política de seu estado de saúde, sobretudo por parte dos aliados do candidato.
Filho do presidenciável e candidato ao Senado no Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro escreveu numa rede social: “A cirurgia de emergência acabou bem, graças a Deus! Meu pai está pagando um preço muito alto por querer resgatar o Brasil, está literalmente dando seu sangue”. Já Mourão, o vice, deu-se a liberdade de fazer uma ameaça. Disse que episódios como a facada serão respondidos com veemência em eventual governo Bolsonaro. Saudoso da ditadura militar, o vice não descartou nem mesmo um ato de violência institucional. Mourão declarou que, em caso de anarquia, o presidente eleito pode dar um “autogolpe” a fim de manter a ordem. Como se sabe, autogolpe não existe. É golpe, e ponto.
Autor do atentado, Adélio Bispo de Oliveira, 40 anos, está num presídio federal em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul. Em sua audiência de custódia, que durou perto de 12 minutos, ele compareceu com a cabeça raspada e a camiseta vermelha do sistema prisional. Sentado diante da juíza federal Patrícia Alencar de Carvalho, disse que o “incidente”, como se referiu ao atentado, decorreu de motivações religiosas e divergências políticas com Bolsonaro. Afirmou sentir-se ameaçado pelo presidenciável. Antes, à polícia, dissera que Bolsonaro defendia o extermínio de homossexuais, negros, pobres e índios.
Apesar da postura aparentemente serena demonstrada por Oliveira, sua defesa diz que ele sofre de distúrbios psiquiátricos. São quatro advogados, que até agora não esclareceram quem lhes paga — o que ajuda a alimentar as teorias da conspiração. A Justiça já negou um pedido de instauração de incidente de insanidade mental, procedimento que abre margem para permitir que o agressor, no futuro, seja considerado incapaz de responder por seus atos. A defesa pretende insistir nessa tese.
O aposentado Uiraquitã Leite Moreira, que mora na mesma pensão que o agressor, disse a VEJA que Oliveira nunca aparentou nenhum problema. Vivia calado, lavava as próprias roupas e limitava-se a trocar cumprimentos de praxe. Com uma Bíblia nas mãos, costumava sair à noite para ir a uma igreja. No dia do atentado, levou nove minutos para percorrer a pé os 650 metros que separam a pensão, no alto da Rua Oswaldo Cruz, da esquina das ruas Santo Antônio e Halfeld, no centro de Juiz de Fora, onde Bolsonaro iniciaria a caminhada. O candidato chegou ao local às 15h19 e foi imediatamente colocado nos ombros de um correligionário. Às 15h42, Oliveira desferiu a facada, depois de andar 450 metros em meio à multidão. Após o golpe, só não foi linchado pelos apoiadores de Bolsonaro porque agentes que faziam a segurança do candidato intervieram.
Capturado, Oliveira foi levado a uma loja nas proximidades e em seguida para a sede da Polícia Federal, responsável pela apuração do caso. A PF fez busca e apreensão na pensão onde o agressor alugava um quarto e recolheu um cartão de crédito internacional, um laptop e quatro celulares. A polícia também apreendeu a faca usada no crime, que, por não estar suja de sangue, alimentou outras estupendas mirabolâncias. A perícia desse material será fundamental para saber se ele agiu sozinho, como tudo sugere que o fez, em parceria ou a mando de terceiros.
No dia do atentado, o pizzaiolo Hugo Ricardo Bernardo, de 27 anos, que chegou a ser apontado como cúmplice de Oliveira, teve de ser internado num hospital da cidade com fraturas em uma das mãos depois de se envolver em brigas com um apoiador de Bolsonaro e com policiais militares. Bernardo contou que a confusão começou quando tentou impedir uma agressão dos aliados do candidato. Uma mulher também teve o nome divulgado nas redes sociais e foi acusada de ter dado a Oliveira a faca do crime. A PF já descartou a participação dela no episódio. Oliveira foi indiciado com base no artigo da Lei de Segurança Nacional que pune os responsáveis por atentado pessoal ou atos de terrorismo por inconformismo político.
Publicado em VEJA de 19 de setembro de 2018, edição nº 2600