O fim da greve dos caminhoneiros e a normalização do abastecimento de alimentos e combustíveis projetavam uma semana mais tranquila para o presidente Michel Temer. Não foi. A disparada do dólar e a queda das ações na bolsa de valores colocaram a economia, outra vez, em estado de alerta. Más notícias para o governo também eclodiram da Operação Lava-Jato. A Polícia Federal pediu a quebra de sigilo telefônico do presidente Michel Temer e dos ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco como parte das apurações de um repasse de 10 milhões de reais em espécie feito pela construtora Odebrecht durante as eleições de 2014. Delatores da empreiteira relataram que esse dinheiro foi solicitado por Temer para financiar clandestinamente as campanhas do MDB. Em outro inquérito, os investigadores encontraram um documento na sede da Argeplan, empresa do coronel aposentado João Baptista Lima, amigo do presidente. Trata-se de um contrato que reforça as suspeitas de que o coronel atuava como arrecadador a serviço de Temer. Houve ainda um terceiro embaraço para o presidente. Na terça-feira 5, o empresário José Antunes Sobrinho, dono da empreiteira Engevix, confirmou à PF que repassou 1 milhão de reais a Temer por meio do mesmo coronel Lima em 2014.
Esse último depoimento é considerado crucial para o avanço de uma investigação que apura se o presidente recebeu propina para facilitar negócios entre a estatal Eletronuclear e a Engevix. Em 2016, Antunes tentou, sem sucesso, negociar um acordo de delação premiada com o Ministério Público. Em sua proposta de colaboração, o empresário disse que, durante as discussões de renegociação de um contrato da Usina em Angra 3, destinou 1 milhão de reais para “suprir interesses de Michel Temer” durante a sua campanha como o vice-presidente de Dilma Rousseff. Para escamotear o pagamento, o empreiteiro utilizou uma empresa de publicidade de Brasília. O acordo de Antunes com o Ministério Público acabou não saindo do papel. Procuradores acharam que ele não estava contando tudo o que sabia. O empresário decidiu, então, recuar. Passou a negar publicamente o que constava em sua proposta de delação, a primeira a revelar a relação até então desconhecida entre Lima e Temer.
Por trás dessa mudança de estratégia do empreiteiro estava uma tentativa desesperada de salvar os seus negócios, que andam de mal a pior. O Tribunal de Contas da União (TCU) declarou a Engevix inidônea. A Petrobras suspendeu os contratos que tinha com a empresa e a Receita mergulhou fundo nos livros contábeis do grupo. “O governo está tentando me sufocar por todos os lados”, reclamou Antunes em diálogo com um amigo. Apesar disso, o empreiteiro ainda vê uma luz no fim do túnel. Ele vem negociando um acordo de leniência com o Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União. As conversas entre os advogados e os representantes do governo estão em andamento. É a derradeira tentativa de salvar a sua empresa.
Pelo lado judicial, o empresário foi condenado a 21 anos e dez meses de prisão por crimes de corrupção ativa, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Ele foi acusado de pagar propina ao ex-presidente da Eletronuclear Othon Luiz Pinheiro. Se for considerado culpado em segunda instância, voltará à prisão. Por isso, enquanto aguarda o sinal verde do governo, ele tenta salvar a própria pele — e passou a negociar novamente um acordo de delação premiada, agora com a Polícia Federal. Na terça-feira, falou à PF sobre o repasse de 1 milhão de reais para Temer em 2014. Investigadores querem que Antunes detalhe a transação, porque pretendem utilizar seu depoimento para reforçar a tese de que Lima arrecadava recursos ilícitos em nome do presidente. Temer e Lima teriam uma sociedade secreta.
Nessa primeira conversa com a polícia, Antunes confirmou o pagamento ao coronel Lima — cujos detalhes foram revelados por uma reportagem de VEJA publicada há duas semanas —, mas, por ora, poupou o presidente Temer. Segundo ele, o milhão repassado a Lima era simplesmente “apoio político” à campanha presidencial, um gesto de boa vontade para ele se “cacifar” junto ao governo. Não teria havido nenhuma contrapartida, ao contrário do que o próprio empreiteiro havia sugerido na primeira proposta de delação apresentada ao Ministério Público. Consequentemente, não teria havido pagamento de propina. É uma versão que, se confirmada, soa como música para a defesa do presidente Temer e como solução para uma, até ontem, improvável salvação dos negócios da Engevix.
Publicado em VEJA de 13 de junho de 2018, edição nº 2586