Foi pênalti? Foi mão? Foi falta? As dúvidas talvez nunca abandonem o futebol, mas em breve a tecnologia estará a serviço das respostas nos gramados brasileiros. Ou melhor: numa partida com a participação de um time brasileiro. Nesta quarta-feira, 25, quando o Grêmio disputará a semifinal da Copa Libertadores contra o Barcelona de Guayaquil, no Equador, ocorrerá a estreia do árbitro assistente de vídeo — ou VAR, na sigla em inglês. A tecnologia também estará presente na outra semifinal, entre os argentinos River Plate e Lanús, no dia anterior. A decisão de finalmente introduzir o VAR nas partidas foi da Conmebol, entidade que rege o futebol na América do Sul.
É um caminho inexorável. Com a TV exibindo replays em diversos ângulos, o telespectador e o resto do mundo sabem os detalhes minuciosos de uma jogada, mas o juiz — essa autoridade suprema dentro do gramado — só tem seus olhos para ver um lance, e ver apenas uma vez. O VAR corrige essa injustiça histórica. Ele já está sendo utilizado com sucesso nas grandes ligas europeias (Itália, Alemanha e Portugal adotaram o sistema no início desta temporada). A própria Fifa pôs a novidade à prova em seu Mundial de Clubes de 2016, no Japão, e na Copa das Confederações deste ano. A tendência é que a tecnologia esteja também na Copa do Mundo na Rússia, em junho e julho do ano que vem.
O árbitro de vídeo não solucionará 100% dos problemas relacionados à arbitragem. O sistema promete apenas eliminar erros crassos em situações que possam modificar o desfecho de uma partida — na validação de um gol, na marcação de um pênalti ou na expulsão direta, pelo cartão vermelho, de um jogador (entenda como funcionará a tecnologia no quadro abaixo). O VAR, como o nome indica, é um mero assistente. O juiz dentro de campo ainda é figura soberana. Por essa razão, há uma outra orientação: exigir do árbitro a revisão do lance vai render até cartão amarelo. Ele é quem decide se quer revisar um lance. Não há o pedido de “desafio”, como no tênis e no vôlei.
A operação do sistema custará aos cofres da Conmebol 440 000 reais por partida — neles estão incluídos os custos de importação da tecnologia, vinda de uma empresa espanhola, a mesma contratada pela Federação Portuguesa de Futebol, e de realização de um treinamento de uma semana com 31 árbitros e assistentes. Os jogos finais da Libertadores serão um batismo de fogo para a novidade. As partidas entre vizinhos continentais geralmente são disputadas em altíssima temperatura, e parece inevitável que escapem de lances duvidosos.
Ainda hesitante, a Confederação Brasileira de Futebol diz não ter prazo para adotar o VAR em suas competições, como o Campeonato Brasileiro, o Brasileirão. A CBF limita-se a realizar cursos e testes com o árbitro de vídeo em um hotel na cidade de Águas de Lindoia, no interior de São Paulo. VEJA apurou que alguns dirigentes temem que a implantação ocorra de maneira precipitada. Na realidade, a adoção do árbitro de vídeo é discutida desde 2015. Na ocasião, o presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, comprometeu-se a levar adiante o pleito dos clubes pela melhoria da arbitragem nacional. O baiano Manoel Serapião, o atual instrutor da Escola Nacional de Árbitros, viajou a Londres para debater o tema com a International Football Association Board (Ifab), responsável por revisar as regras do futebol. No entanto, dois anos transcorreram e os juízes brasileiros permanecem apitando por conta própria. No mês passado, a grita após o gol irregular de Jô, do Corinthians, marcado com o braço, foi tamanha que a CBF chegou a divulgar que o sistema seria implantado imediatamente no Campeonato Brasileiro, mas voltou atrás. Quem comanda o futebol nacional deve urgentemente aceitar que, embora não seja perfeita, a adoção da tecnologia é inevitável.
Publicado em VEJA de 25 de outubro de 2017, edição nº 2553