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Procura-se um libertador

Com oposição frágil e o país surdo ao clamor dos vizinhos, os venezuelanos já torcem por um golpe militar para depor a ditadura de Maduro

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 ago 2017, 06h00 - Publicado em 12 ago 2017, 06h00
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  • Os venezuelanos alimentam apreço pelos militares, invariavelmente tratados ao longo da história do país como salvadores da pátria. Quase todos os heróis nacionais têm alguma patente. Na maioria das casas, há uma imagem do general Simón Bolívar, que tentou criar em vários países da América Latina um único reino em que ele governaria de forma soberana. Outra estrela do firmamento é o general Francisco de Miranda, que lutou na Revolução Francesa e influenciou Bolívar. O ex-presidente Hugo Chávez, morto em 2013, era paraquedista do Exército. Nicolás Maduro, o atual mandatário, é uma exceção: começou a vida profissional como motorista de ônibus, sem estrelas no peito. Mas, na crise que parece não ter fim sob seu governo, os venezuelanos voltaram a ter fé em que um libertador sairá de dentro de uma caserna. Na semana passada, a prece coletiva foi — parcialmente — atendida.

    Na madrugada do domingo 6, um grupo liderado pelo ex-capitão da Guarda Nacional Bolivariana Juan Caguaripano tentou tomar o controle do Forte Paramacay, em Valência, uma das maiores cidades do país. O quartel abriga o conjunto mais importante de blindados do Exército. No mesmo dia, Caguaripano, líder do bando de vinte insurgentes, adversários de Maduro, apareceu em um vídeo na internet pedindo o apoio da Assembleia Nacional. No seu raciocínio, seria natural que o defendessem, já que os deputados são em sua maioria de oposição e foram calados em 30 de julho com a eleição cheia de mutretas de uma Assembleia Nacional Constituinte. O apoio veio, mas o tão esperado efeito dominó, típico das republiquetas de bananas, não. Outras unidades deveriam se rebelar, porém não o fizeram. Na brigada, a troca de tiros dentro do forte deixou dois mortos e oito feridos. O chefe do motim escapou, e várias armas foram roubadas do lugar. “Esclarecemos que isso não é um golpe de Estado. É uma ação cívica e militar para restabelecer a ordem constitucional”, dissera Caguaripano, que desertou em 2014.

    FRAQUEZA – O presidente Nicolás Maduro: os venezuelanos têm apreço por heróis militares
    FRAQUEZA – O presidente Nicolás Maduro: os venezuelanos têm apreço por heróis militares (Marco Bello/Reuters)

    A resposta oficial do governo veio por meio do ministro da Defesa, Vladimir Padrino López, que também apareceu em vídeo ao lado de dezenas de soldados fardados. O discurso inflamado foi feito no Forte Tiúna, em Caracas. Padrino pôs a culpa das ações contra Maduro nos imperialistas de sempre, supostamente liderados pelos americanos. Um dia depois, ele entrou na sala da Assembleia Constituinte para selar a aliança entre a Força Armada Nacional Bolivariana e os parlamentares chavistas, que agora têm poder total.

    A aposta no protagonismo das Forças Armadas também se explica pela fragilidade da oposição, que continua sendo severamente atingida pelo governo. Na terça-feira 8, a Guarda Nacional Bolivariana impediu parlamentares opositores de entrar no Palácio Legislativo. No mesmo dia, os depu­tados constituintes, recém-eleitos, declararam que estabelecerão uma Comissão da Verdade para apurar atos de violência política que ocorreram no país desde 1999. A comissão será formada exclusivamente por deputados favoráveis ao governo. É uma maneira de perseguir os críticos. Entre eles está a procuradora-geral Luisa Ortega Díaz, uma chavista que passou a questionar as decisões de Maduro e acaba de ser destituída do cargo.

    Verde-oliva – O ministro da Defesa, Padrino López, discursa com fardados
    Verde-oliva – O ministro da Defesa, Padrino López, discursa com fardados (AVN/EFE)
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    Houve uma única distensão na semana passada com a libertação dos presos políticos Leopoldo López e Antonio Ledezma. Depois de serem detidos com falsas acusações há alguns anos, eles estavam em prisão domiciliar desde o início de julho. Quando uma nova onda de protestos cresceu nas ruas, foram novamente enviados para uma prisão militar. No sábado 5, puderam retornar para casa. Segundo o advogado de Leopoldo López, seu cliente foi proibido pelo 5º Tribunal de Execução de transmitir qualquer informação. “Tudo agora está nas mãos dos militares. A oposição está muito enfraquecida porque não soube evitar a criação da Assembleia Constituinte. É vista como indecisa e pouco efetiva pela população”, diz Oliver Stuenkel, do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas, em São Paulo.

    Outro alento foi a Declaração de Lima. Na terça-feira 8, doze chanceleres denunciaram a ditadura da Venezuela (leia abaixo entrevista com o chanceler brasileiro Aloysio Nunes). Entre os dezesseis pontos do documento, condena-se o envio de armas para a Venezuela e a posição do governo de não permitir a distribuição de alimentos e medicamentos para abrandar a crise humanitária. “O documento feito pelos chanceleres impressionou pela quantidade de países envolvidos e por incluir nações muito diferentes entre si”, diz o cientista social venezuelano Luis Daniel Alvarez, da Universidade Central da Venezuela (UCV).

    A pressão internacional, porém, não conseguiu até agora demover Nicolás Maduro. “Os chavistas não têm razões para negociar. Eles controlam tudo e não precisam responder a ninguém. Dá para entender a frustração do povo”, diz o cientista político americano Riordan Roett, especialista em América Latina da Universidade Johns Hopkins. “Provavelmente, os venezuelanos veem as Forças Armadas como a única instituição que ainda está de pé e é capaz de neutralizar a situação política.”


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    O grupo família dos chanceleres

    CÚPULA – Aloysio Nunes, no centro, com outros chanceleres, em Lima
    CÚPULA – Aloysio Nunes, no centro, com outros chanceleres, em Lima (Mariana Bazo/Reuters)

    O ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, conversa diariamente com outros chanceleres em dois grupos de WhatsApp. Um deles é limitado aos vizinhos do Mercosul. O outro abrange os representantes das nações que integram a Aliança do Pacífico, a área de livre-­comércio que inclui o México, a Colômbia, o Chile e o Peru. Na terça-­feira 8, essa articulação digital resultou na Declaração de Lima, na qual doze chanceleres das Américas denunciam a ditadura da Venezuela e pedem o respeito à Assembleia Nacional, cujos poderes foram anulados por uma Constituinte inventada por Nicolás Maduro. O anúncio também deu apoio à procuradora-­geral Luisa Ortega, arbitrariamente afastada na semana passada. De seu gabinete em Brasília, Nunes falou a VEJA. A seguir, os principais trechos da entrevista.

    Desde que a Venezuela foi suspensa do Mercosul, no sábado 5, o governo de Nicolás Maduro mandou algum sinal de fumaça?  Não houve nenhum diálogo com os integrantes do bloco regional desde então. Há um fechamento absoluto do governo venezuelano a qualquer tentativa de mediação com países que não são bolivarianos.

    O que poderia ser um primeiro passo por parte do governo venezuelano? Isso é uma questão que cabe à oposição venezuelana. Durante a ditadura brasileira (1964-1985), a oposição escolheu alguns objetivos, como o fim do Ato Institucional nº 5 (AI-5), a anistia e a realização de eleições livres. Essas metas ajudaram a unificar os vários grupos críticos ao regime. Elas foram alcançadas quando ainda estava em vigor a chamada Constituição de 1969. Agora, não posso dar lições aos venezuelanos sobre o que eles consideram aceitável em um diálogo. O que sei é que a pauta deles compreende o respeito às prerrogativas da Assembleia Nacional, o fim das prisões políticas e a elaboração de um calendário com eleições livres e sob a supervisão isenta de organismos internacionais.

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    O Brasil não demorou demais pa­ra fazer alguma coisa? Falo pelo atual governo. Desde o momento em que o presidente Michel Temer foi empossado, houve uma mudança na postura que vinha do governo anterior, que nutria uma proximidade política com o chavismo.

    Pode-se dizer que o Brasil tem um pouco de responsabilidade pela situação atual? Isso foi um movimento interno da Venezuela. O regime apodreceu por falta de resposta aos problemas do povo. Não houve desenvolvimento econômico, social. Tinha mui­ta corrupção. A eclosão do fenômeno Hugo Chávez não foi induzida por ninguém de fora. O regime que existia antes entrou em combustão. Nosso problema não é o chavismo. É o autoritarismo, a ditadura, a violência. A questão é que o governo saiu da Constituição chavista para a ditadura.

    O embaixador brasileiro em Caracas, Ruy Pereira, está no país desde os primórdios do chavismo na Venezuela e do governo petista no Brasil. Esse currículo prejudica ou favorece a missão do embaixador? Ruy Pereira é um profissional altamente respeitado no Itamaraty por seus colegas. É alguém que cumpre instruções zelosamente e vem mantendo contato permanente com todas as forças políticas locais. Ele é funcionário do Estado de longa data e está se organizando para proteger a comunidade brasileira no caso de um agravamento da crise. Além disso, ele me fornece informações em primeira mão sobre o terreno.

    Maduro poderá ser julgado no Tribunal Penal Internacional (TPI)? Não sei. O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, incumbiu o procurador argentino Luis Moreno-Ocampo, que já atuou no TPI, de reunir elementos que possam alicerçar uma ação contra Maduro. A modalidade de crime contra a humanidade seria a violação maciça dos direitos humanos. Vamos aguardar suas conclusões para nos ma­nifestar a respeito.

    Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543

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