Pelo visto, a reação de líderes políticos quando são pegos com a boca na botija é universal. Na terça-feira 13, minutos depois de a imprensa de Israel divulgar a notícia de que a polícia estava recomendando seu indiciamento por corrupção, fraude e quebra de confiança, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, o Bibi, como é chamado pelos israelenses, se disse a alma mais honesta do planeta. Em um pronunciamento, garantiu que é inocente e apresentou-se como um herói nacional que se tornou vítima de perseguição e conspiração. Nas palavras de um aliado, o ministro do Turismo Yariv Levin, surgiu até a tese de que Bibi está sendo vítima de uma “tentativa de golpe”. “Vocês sabem que eu faço tudo com apenas uma coisa em mente: o bem da nação”, disse Bibi. “Não por charutos de um amigo, não por cobertura na mídia.”
Charutos? Sim, charutos cubanos. Cobertura da imprensa? Sim, cobertura favorável em troca de sufocar a concorrência. Mas não era só isso: havia também garrafas de champanhe rosé, joias para sua mulher, Sara, e outros mimos que, segundo a investigação de catorze meses conduzida pela polícia israelense, o primeiro-ministro recebia de amigos bilionários em troca de benefícios do Estado. Ao longo de dez anos, o produtor de cinema e ex-agente secreto israelense Arnon Milchan, responsável por filmes de Hollywood como Uma Linda Mulher (1990) e Clube da Luta (1999), e o australiano James Packer, dono de cassinos, mantiveram a residência oficial do premiê abastecida com artigos de luxo, num valor total equivalente a 1 milhão de reais. Segundo depoimento de Hadas Klein, assistente de Milchan e de Packer em Israel, Sara e o próprio Bibi lhe telefonavam quando tinham alguma demanda — quando o champanhe rosé acabava, por exemplo. Até ingressos para um show da cantora americana Mariah Carey, de quem Packer foi namorado, o casal Netanyahu recebeu. Em troca dos presentes, Bibi batalhou pela aprovação de uma lei sob medida para Milchan, que lhe daria isenção de impostos em Israel. A polícia não conseguiu comprovar benefícios diretos obtidos por Packer, e o australiano foi ouvido apenas como testemunha.
A recomendação de indiciamento, que agora será aceita ou não pelo procurador-geral de Israel, também explicita o caso da cobertura da imprensa. Os investigadores encontraram a transcrição de uma conversa entre o premiê e Arnon Mozes, dono do jornal Yedioth Ahronoth, o maior do país. A transcrição estava na casa do ex-chefe de gabinete de Bibi. Nela, o premiê pede a Mozes que seu jornal faça uma cobertura mais favorável de seu governo e, em troca, oferece exigir a redução na tiragem de seu principal concorrente, Israel Hayom, uma publicação pertencente a Sheldon Adelson, dono de cassinos em Las Vegas e entusiasta do presidente Donald Trump. Bibi alega que a conversa era brincadeira, mas a polícia diz que é um caso de corrupção.
Bibi está há nove anos consecutivos no cargo (na década de 90, cumpriu outros três anos de mandato). Se chegar ao fim de 2019, será o líder mais longevo da história de Israel. Até quinta-feira 15 ele se recusava a renunciar, como exigia a oposição. Se for indiciado e condenado, terá de deixar o posto. Em 2008, seu antecessor, Ehud Olmert, foi acusado de receber propina quando era prefeito de Jerusalém. Ele renunciou e, posteriormente, foi condenado pela mesma trilogia de crimes que agora recai sobre Bibi. Olmert cumpriu um ano e quatro meses de prisão. Foi solto no ano passado.
Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2018, edição nº 2570