Há um Roland Barthes (1915-1980) em cada internauta brasileiro. O pensador francês teorizou sobre a fotografia e identificou dois elementos estruturais: studium (que remete à moldura sociocultural de uma foto) e punctum (que se refere a aspectos subjetivos que mexem com o espectador). Tomando como exemplo a cena acima, studium pode estar no menino sem camisa e com a água do mar acima dos joelhos que assiste (“encantado”, na descrição do autor do clique, Lucas Landau) à queima de fogos na virada do ano em Copacabana, no Rio de Janeiro. Punctum pode ser encontrado na aparente desproteção do menino, sinalizada pelos pulsos cruzados junto à barriga, ou na presença do grupo de pessoas de costas para o garoto. Nem o contexto geral da imagem nem algum de seus pormenores, porém, explicam por que ela viralizou nas redes sociais. Nesse caso, o interesse não estava tanto na foto ou na emoção que ela despertou em cada pessoa que a viu, mas no pandemônio que as diferentes interpretações provocaram na internet. Quem viu ali a marca da exclusão social foi acusado por outros de racismo, por associar um menino negro solitário a pobreza e abandono. Quem criticou a suposta indiferença da multidão pelo menino foi ridicularizado por aqueles que viram apenas amigos posando para selfies. Muitos dos comentários, é claro, vieram recheados de palavrões e ofensas, como manda a etiqueta on-line. Nessa cacofonia digital, pouco importa o que a foto mostra, importa mesmo como a interpretação de uns é julgada por outros. Isso, sim, é um retrato fiel do país hoje. 2018 promete.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564