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O cidadão a sós

'Volta dos militares' para consertar tudo isso? Pode-se achar a pior opção - e tem tudo para dar errado - mas, na verdade, crescem motivos para pensar assim

Por J.R. Guzzo Atualizado em 13 mar 2018, 17h50 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00

A intervenção do Exército no Rio de Janeiro, em mais uma tentativa de combater a ocupação armada da cidade pelos criminosos, recebeu a aprovação de 80% da população — é o que mostram os primeiros levantamentos feitos logo após a chegada das tropas federais a esse pedaço do território brasileiro onde o crime está em guerra aberta contra os cidadãos. Houve, naturalmente, reações preocupadas por parte de muita gente — e não apenas da esquerda. (Com aquele seu instinto que nunca falha na hora de ficar contra a opinião da maioria, o PT e sua periferia, automaticamente, escandalizaram-se com a intervenção. O que fizeram é o que sempre fazem quando se trata de escolher entre a criminalidade, que a seu ver toma parte nas “lutas populares”, e a ordem pública, que consideram coisa de “direita”: ficaram, de olhos fechados, a favor do crime.) Junto com a reação habitual dos nossos revolucionários, veio o espanto apreensivo de uma parte do Brasil “civilizado”. O apoio maciço à intervenção no Rio, segundo dizem, mostraria uma angustiante e apressada inclinação do brasileiro a acreditar que os militares são “a solução” para tudo — crime, corrupção, incompetência e todas as demais taras do Estado e da sociedade no Brasil. Seria uma expectativa ruim, mesmo porque é impossível de ser atendida.

Não dá para medir com exatidão se os brasileiros acreditam mesmo em soluções militares. Mas, com certeza, uma população que há muito tempo não tem o mínimo motivo para levar a sério o governo, é insultada abertamente pelas decisões de um Supremo Tribunal Federal que presta vassalagem a condenados por corrupção e é tratada como débil mental pelo pior conjunto de deputados e senadores hoje presentes sobre a face da Terra não poderia mesmo pensar como se estivesse vivendo na Inglaterra. Que raio se pretende, então, que as pessoas achem? Está cada vez mais difícil para o cidadão, e daqui a pouco pode tornar-se impossível, ficar a sós — vendo em silêncio os seus direitos mais básicos ser violados pelos criminosos, com a proteção de leis feitas para atender aos interesses de bandidos e seus defensores. Salvo os próprios criminosos à mão armada, as quadrilhas que roubam o Erário e o resto dos marginais em circulação por aí, ninguém pode permanecer calmo enquanto o sistema judiciário, a partir de seu degrau mais alto, solta sistematicamente quem deveria estar preso ou mantém fora da prisão quem foi condenado e deveria estar lá dentro. Para a população brasileira, no fim das contas, a situação criada no país é simplesmente incompreensível. “Volta dos militares” para consertar isso? Todo mundo está no direito de achar que se trata da pior opção, mesmo porque é o tipo da coisa que tem tudo para dar errado. Mas é inútil esconder que todo mundo também está no direito de achar exatamente o contrário. Na verdade, há um número cada vez maior de motivos concretos para pensar assim.

“Ninguém pode permanecer calmo enquanto o Judiciário solta quem deveria estar preso ou mantém fora da prisão quem deveria estar lá dentro”

O que querem, sinceramente, que o cidadão pense quando vê uma assassina que ajudou a matar o próprio pai a golpes de barra de ferro ser solta, com o apoio enfurecido do Ministério Público, para passar fora da prisão o Dia dos Pais — justamente o Dia dos Pais? É a lei, dizem advogados, promotores e juízes — mas não lhes passa pela cabeça que uma coisa dessas está acima do entendimento de qualquer ser humano deste planeta. O recado que dão é o seguinte: se a lei é demente, problema seu. Obedeça e cale a boca. Como condenar alguém por sonhar com “os militares”, quando uma promotora de Justiça, que é paga (com todos os “adicionais”) para nos defender dos criminosos, diz que “bandido bom é bandido vivo, e com direitos”? Concorde com a promotora, se quiser — mas não estranhe que alguém discorde e um dia passe a achar que “o único jeito é chamar o Exército”. Mais: é razoável esperar que alguém concorde, ou entenda, que um homicida tenha o direito de cumprir apenas um sexto da pena a que foi condenado? De vinte anos de cadeia, por exemplo, só cumpre três. Faz sentido um negócio desses? Para que serve um Código Penal se ele é anulado pelas leis de “progressão da pena”, regime semiaberto, prisão domiciliar ou tornozeleira para ladrão que rouba o Tesouro Nacional?

A população brasileira, na verdade, vem sendo provocada, cada vez mais, pelo crime e por seus protetores. No Rio de Janeiro, os policiais continuam sendo assassinados na média de um a cada três dias, e 90% das autoridades acham isso perfeitamente normal. Cerca de 40% dos moradores não recebem mais o correio, pois a entrega foi suspensa por causa dos ataques da bandidagem. As seguradoras não aceitam mais fazer seguros para cargas destinadas ao Rio. Se isso não é desafiar as pessoas e abrir a porta para o desespero, o que seria, então? Os cidadãos, ainda por cima, são humilhados diariamente pelo apoio público que os seus opressores recebem da elite “civilizada”, da mídia, da Igreja Católica, e por aí afora. Dizem, esses todos, que o grande problema do Rio de Janeiro não são os crimes praticados contra a população, mas a morte de criminosos em confrontos com a polícia. (Quando morrem em brigas entre si próprios não há maiores comentários.) Ficam indignados com os “excessos da legítima defesa”, e exigem mais rigor contra quem usa a força para defender sua propriedade e sua vida dos ataques de bandidos.

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Que provocação maior se poderia fazer às pessoas do que o estímulo aos bailes funk e a seu principal derivado, o estupro coletivo de garotas menores de idade? Tornou-se um símbolo de orgulho “do morro”, e de seus admiradores do Leblon, a “tábua do sexo” — um banco de madeira onde os homens ficam sentados nos bailes, enquanto meninas de até 12 anos de idade se ajoelham sobre suas coxas para fazer sexo, em público, com o maior número possível de machos. São chamadas de “preparadas”; as que já têm “dono”, e por isso não participam, são as “cachorras”. Há garotas que ficam grávidas — seus bebês são os “filhos da tábua”. A polícia, obviamente, está proibida de entrar. Os formadores de opinião consideram que isso seria um ato de repressão contra o “lazer popular”. Nenhuma feminista, até hoje, abriu o bico para fazer alguma objeção à prática desses crimes em massa contra a mulher — sexo com menores de 14 anos é estupro, haja ou não consentimento da vítima. Os grandes astros do funk, que animam os bailes da “tábua” e pregam a favor do crime nas letras de sua música, têm circulação triunfal nos programas de variedades da Rede Globo; dão entrevistas à imprensa e são bajulados pelas classes intelectuais. A ideia-mãe é a seguinte: tudo isso forma hoje o que seria uma nova manifestação cultural, a chamada “cultura da comunidade”. Ela é sagrada. Não pode sofrer a mínima restrição. Qualquer crítica é “preconceito” da “elite branca”.

O que há de estranho, diante de tudo isso e muito mais, no fato de 80% da população aprovar a intervenção militar no Rio? O mundo descrito acima não é normal, nem desejável, para a imensa maioria, por mais que a “esquerda” insista em dizer o contrário. Não é normal em nenhuma outra cidade do Brasil. Por que seria aceitável no Rio? A chance de dar certo é zero.

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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