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O barão dos musicais

Com sucessos como 'O Fantasma da Ópera' e 'Sunset Boulevard', o inglês Andrew Lloyd Webber criou uma fórmula cafona, mas valiosa: o espetáculo “fast-food”

Por Sérgio Martins Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 16h34 - Publicado em 13 jul 2018, 06h00
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  • Mimi era a macaca de estimação da pianista e violinista Jean Hermione Johnstone. A símia vivia em harmonia com Jean e o marido, o também musicista Wil­liam Lloyd Webber, num apartamento no bairro londrino de South Kensington. Mas, quando Jean ficou grávida, a macaca surtou: passou a guinchar furiosamente em direção à proeminente barriga de sua dona. “Foi a primeira pessoa a demonstrar descontentamento com Andrew Lloyd Webber”, brinca, falando de si em terceira pessoa, o hoje celebrado compositor — que vinha a ser o bebê que Jean carregava no útero.

    Webber, de 70 anos, é um artista capaz de provocar reações extremadas. Os fãs adoram seus musicais suntuosos, influenciados pela ópera e com melodias tão familiares. Já os detratores se horrorizam, na mesma medida, com o brilho coruscante de suas criações, tidas como arremedos cafonas da música erudita e do rock progressivo. “Lloyd Webber dominou o mundo. A aids também”, desdenhou certa vez Malcolm Williamson (1931-2003), compositor oficial da corte de Elizabeth II, com o humor negro típico dos súditos da rainha.

    Não adianta espernear: Andrew Lloyd Webber é uma grife indisputável, venerada inclusive pela própria rea­le­za inglesa, que lhe concedeu o título de barão. Desde Jesus Cristo Superstar, lançado em 1971, ele acumula um currículo de vinte grandes (e lucrativos) musicais. O Fantasma da Ópera é o bem mais precioso no baú do compositor. Baseado na novela de mesmo nome do francês Gaston Leroux (1868-1927), o espetáculo coleciona números impressionantes desde sua estreia, em Londres, em 1986. Foi visto por 140 milhões de pessoas em 35 países e traduzido para quinze línguas. É o segundo musical mais longevo no West End londrino e aquele que está há mais tempo em cartaz na Broadway, em Nova York. Por mais de três décadas o público acorre aos teatros para ver a história do gênio deformado que vive nos subterrâneos da Ópera de Paris e decide transformar a corista Christine Daaé na estrela da companhia. A trama é movimentada por pirotecnias como lustres que caem sobre a plateia, labaredas de fogo à beira do palco e bengalas que soltam projéteis flamejantes.

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    AMORZINHO –  Webber e Sarah Brightman: três casórios e apelido de A Rainha (Ron Galella/WireImage/Getty Images)

    A exportação de O Fantasma da Ópera para muito além do circuito clássico do gênero ilustra a inovação disseminada por Lloyd Webber: ele inventou o que se pode chamar de musical “fast-food”. Seu espetáculo mais conhecido é uma franquia que se mantém inalterada — e com igual sucesso — a despeito de fatores conjunturais como o país ou o elenco. O Brasil está entre os lugares que consumiram avidamente as produções de Lloyd Webber. Passaram por aqui Cats, Evita e Jesus Cristo Superstar. E a indústria dos musicais já se agita com o anúncio das audições para Sunset Boulevard, em setembro. A estreia será só em 2019, mas há especulações sem fim sobre quem faria o papel feminino principal — Claudia Raia e Marisa Orth são as mais cotadas. A primeira versão de O Fantasma da Ópera foi encenada em 2005, e não deu outra: tornou-se o maior sucesso da história recente dos musicais no país. Ficou quase dois anos em cartaz e atraiu 880 000 pessoas. Pois o personagem voltará a assombrar a nação em breve: a partir de 2 de agosto, uma nova montagem estreará em São Paulo.

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    A produção traz dois intérpretes do mundo da ópera: o tenor Thiago Arancam e o barítono Leonardo Neiva vão se revezar na pele do monstro de bom coração. “Eu vejo muito de Puccini ali”, diz Arancam, estreante nesse tipo de produção, referindo-se ao compositor de La Bohème. Há muito de ópera ali, de fato. Os espetáculos de Webber recriam as tramas rocambolescas de Verdi e Puccini: seus cenários e figurinos são marcados pela opulência meio rococó associada ao gênero. “Você não vai a um espetáculo dele esperando só um pretinho básico”, resume o diretor Charles Moeller.

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    BRIGA –  Glenn Close em ‘Sunset Boulevard’: a escolha provocou a fúria de outra diva (Sara Krulwich/The New York Times/Fotoarena)

    Webber faz bom uso do leitmotiv, técnica de composição difundida pelo alemão Richard Wagner que consiste na repetição de um tema específico toda vez que um personagem entra em cena. O fantasma é anunciado por uma melodia cavernosa de teclado. A música guarda similaridade com Echoes, do grupo inglês Pink Floyd. Roger Waters, um de seus integrantes, gracejou sobre a coincidência e foi ameaçado de processo por Lloyd Web­ber. O roqueiro se vingou na canção It’s a Miracle, na qual sonha que a tampa de um piano cai sobre as mãos de seu desafeto, esmagando-as.

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    No mundo de Webber, as propaladas “divas” têm função essencial. O Fantasma da Ópera foi feito para a cantora Sarah Brightman, com quem ele foi casado de 1984 a 1990. O homem, contudo, sabe ser sádico: impõe desafios excruciantes às intérpretes. “Quem criou essa música não gosta de mulher”, disparou Patti LuPone, deusa da Broadway, ao deparar com a partitura de Evita (que nos anos 1980 lhe rendeu um Tony, o Oscar do teatro). A reclamação vem temperada com certa ironia sobre as preferências sexuais de Webber. Embora esteja no terceiro casamento e tenha cinco filhos, o compositor é conhecido nos bastidores como The Queen (A Rainha) por sua altivez e modos delicados. A mágoa de Patti tem motivo. Nos anos 1990, ela protagonizou a versão inglesa de Sunset Boulevard. Mas, quando o espetáculo foi para os Estados Unidos, o compositor a trocou por uma estrela de Hollywood, Glenn Close. Patti e a Rainha estão rompidos desde então.

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    BREGA & CHIQUE - ‘O Fantasma da Ópera’: o espetáculo arrasa-quarteirão que parece a “versão de Liberace no inferno” (Joan Marcus/.)

    O Fantasma da Ópera representa o apogeu do musical arrasa-quarteirão. A obra se caracteriza pela produção luxuriante. “É brilhante porque tem efeitos especiais bem escolhidos e há sempre uma surpresa a cada final de cena”, disse a VEJA Harold Prince, diretor da montagem original. A opção pelo excesso não é unanimidade. Frank Rich, crítico do jornal The New York Times, definiu o espetáculo — cujo cenário contém uma gôndola vetusta e candelabros dourados — como a “versão de Liberace no inferno”. Liberace, diga-se, foi aquele pianista que transformou o mau gosto e o exagero em entretenimento.

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    A fórmula pode ser kitsch, mas funciona que é uma beleza. “Lloyd Webber é mestre na arte de contar histórias”, diz o americano Arthur Masella, diretor que vem ao Brasil para cuidar de cada detalhe do espetáculo. O Fantasma montado no país é rigorosamente igual ao de qualquer outra encenação no mundo. A franquia demanda um trabalho extra de atores e profissionais da produção. Claudio Botelho, adaptador das letras para o português, lembra­-se de que, da primeira vez em que o espetáculo veio para cá, gastou suor tentando convencer os emissários de Lloyd Webber a autorizar a troca da sílaba tônica do tema principal. Eles insistiam que se cantasse o refrão de acordo com a entonação original em inglês, com ênfase na sílaba inicial da palavra “fantasma”. O letrista argumentou que fazia mais sentido mudar a tônica para a segunda sílaba, como se fala em português. Botelho venceu.

    Não é à toa que Lloyd Webber fica de olho em suas crias. Seus musicais trouxeram uma fortuna pessoal de 1,2 bilhão de dólares, apenas abaixo do 1,28 bilhão que fazem do ex­-beatle Paul McCartney o mais rico do showbiz mundial. Nem a conta bancária o livra, porém, do fantasma da velha macaca Mimi. Aos 10 anos, ele e a mãe reencontraram o bicho num zoológico inglês. Quando ela viu o menino, passou a gritar furiosamente. “Não tem jeito, Andrew: Mimi não gosta de você”, disse sua mãe. Eis um compositor que apanha, mas não perdeu a pose de barão.

    Publicado em VEJA de 18 de julho de 2018, edição nº 2591

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