Um Donald Trump contido, longe dos holofotes, atento aos conselhos dos assessores mais experientes da Casa Branca e determinado a evitar a troca de insultos públicos com desafetos. Quando os astros se alinham e propiciam esse milagre, é de esperar que políticos moderados, formadores de opinião com a cabeça no lugar e todo o pedaço da população dos Estados Unidos que se sente envergonhado com o comportamento corriqueiro de seu presidente respirem aliviados. Não foi, porém, o que aconteceu entre o sábado 20 e a segunda-feira 22, quando o governo americano teve de interromper suas atividades menos essenciais porque o Congresso não lhe havia dado autorização para gastar. Durante 72 horas, Trump saiu de cena e limitou-se a usar o Twitter para atribuir — sem xingar ninguém, civilizadamente — aos parlamentares do Partido Democrata a culpa pelo shutdown, como é a chamada a paralisação parcial e temporária das repartições públicas nos Estados Unidos. Os detratores habituais do presidente ficaram tão surpresos que, em vez de comemorarem o silêncio súbito, trataram de criticar Trump por “abandonar as negociações pela reabertura do governo” e por estar “tão perdido que ficou sem ação”.
Na realidade, a saída de cena de Trump foi uma estratégia dos republicanos Mitch McConnell, líder da maioria no Senado, Mick Mulvaney, chefe do Escritório de Administração e Orçamento do governo, e Marc Short, diretor para assuntos legislativos da Casa Branca. A ideia era não dar chance aos democratas de virar o jogo. Recusar-se a aprovar o Orçamento é um recurso comum da oposição para forçar a aprovação de leis de seu interesse. Desta vez, o que a oposição quer é renovar a anistia a centenas de milhares de dreamers (sonhadores, em inglês), como são chamados os imigrantes que chegaram ilegalmente aos Estados Unidos quando eram crianças. Os democratas querem impedir que eles sejam deportados a partir de março, quando o programa vence. Muitos dos republicanos se recusam a renová-lo. Trump havia dado declarações contraditórias a respeito nas últimas semanas. Para forçar um recuo, a oposição democrata apelou para o shutdown.
Com um ano de mandato completado no dia 20, a equipe de Trump aprendeu que as negociações do Executivo com o Legislativo só são frutíferas quando o presidente dá um passo atrás e deixa que os assessores cuidem de tudo. Foi assim na aprovação da reforma tributária, no ano passado. Ou seja, na gestão Trump, a Casa Branca funciona melhor no piloto automático. Difícil é manter o presidente longe da cabine de comando. Afinal, apesar das alarmantes evidências, ele se considera um grande negociador. Só aceitou recuar na semana passada por temor de ser visto como o responsável pela paralisação do governo, como ocorreu com seu antecessor Barack Obama em 2013. Em breve, o presidente terá de ser dissuadido novamente de se envolver nas negociações com o Congresso, pois o Orçamento recém-aprovado só vale por três semanas.
Controlar os impulsos de Trump no Twitter é ainda mais complicado. Ele usa a rede social para desviar a atenção dos desdobramentos dos escândalos que quase semanalmente o assolam, como a investigação especial em curso para desvendar a extensão dos laços de seus parentes e conselheiros com a Rússia e a possível interferência dos russos nas eleições americanas de 2016. A cada nova revelação divulgada, Trump distrai a atenção pública despejando tuítes contra o inimigo da hora — de jogadores de futebol americano a ditadores asiáticos.
Não faltou motivo durante a paralisação do governo para Trump criar novos factoides e polêmicas no Twitter. Afinal, enquanto republicanos e democratas desatavam o nó orçamentário, um escândalo cabeludo, ops!, de longos cabelos loiros, que emergira em meados de janeiro ganhou contornos comprometedores. Segundo uma reportagem do jornal americano The Wall Street Journal, um advogado de Trump, Michael Cohen, pagou 130 000 dólares a uma atriz pornô que teria feito sexo com o bilionário em 2006, durante um torneio de golfe. O propósito do dinheiro seria comprar o silêncio de Stephanie Clifford, que atua sob o pseudônimo de Stormy Daniels, às vésperas da eleição de Trump, em 2016. O advogado abriu uma empresa de fachada e uma conta bancária no Estado de Delaware especialmente para fazer o pagamento. Cohen recusou-se a comentar a acusação publicada pelo Journal e negou que Trump tenha tido relações com a atriz. Na segunda 22, uma ONG de transparência política com sede em Washington entrou com duas ações na Justiça, alegando que o pagamento a Stormy Daniels configura doação ilegal de campanha, pois se destinava a blindar a imagem do candidato, mas não foi declarada à Comissão Eleitoral Federal. Silêncio no Twitter de Trump.
Publicado em VEJA de 31 de janeiro de 2018, edição nº 2567