Por que um Jesus travesti? A ideia é que Jesus tenha a identidade da atriz que o encarna no palco. E eu sou travesti. Os meios de comunicação, aliás, evitam a palavra travesti: preferem me chamar de trans. Mas não sou trans. Eles usam esse termo para higienizar. E é isto que nós, artistas travestis, queremos: um papel que nos represente.
Qual sua religião? Tenho religiosidade, não religião. Não sou católica, espírita, evangélica ou da umbanda. Acredito numa força maior. Gosto de Santo Expedito, Nossa Senhora Desatadora dos Nós, mas também de Oxum. Eu respeito todas as religiões.
Como você se preparou para viver Jesus? Como toda atriz, mergulhei de cabeça no meu personagem. A vida de Jesus é um assunto que me agrada, sempre pesquisei o tema religião. Li a Bíblia, biografias e livros sobre a época em que ele viveu. Também fiz preparação corporal e debati como dar uma cara brasileira à peça, que foi escrita originalmente em inglês.
O Brasil está preparado para um Jesus travesti? Está, sim. Recebi muito apoio. Recentemente, uma família de pai, mãe e filhos — todos cristãos — viu a peça e me deu uma planta com uma mensagem linda, dizendo que eu estava plantando só coisas boas.
A reação contra a peça já era esperada? Claro. Sou travesti e conheço bem o preconceito e a hipocrisia. É só ir à minha página no Facebook para ver que há pessoas que até me ameaçam de morte. Fico triste porque são ataques de ódio baseados em fundamentos religiosos que não têm sentido. Quem nos ataca não leu a Bíblia, porque Jesus estava do lado dos excluídos.
O cancelamento da peça em Jundiaí, após reclamação de uma advogada à Justiça, a surpreendeu? Fiquei arrasada. A liberdade de expressão foi tirada de mim. Mas vamos levar a peça para outros lugares. A próxima parada é em Porto Alegre, e um advogado de lá entrou na Justiça para cancelar a apresentação. O pedido foi negado, graças a Deus.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549