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Meninas de ouro

Na contramão das rivais, SBT investiu em novelas infantis no horário nobre. Essa indústria produz audiência, barulho na web e um sistema de estrelas próprio

Por Marcelo Marthe | Fotos Laílson Santos
Atualizado em 13 abr 2018, 06h00 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00
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  • Com a desinibição de quem cresceu nos estúdios do SBT, Maisa Silva gasta a tarde num périplo pela emissora de Silvio Santos. Na pele de Juju Almeida, personagem que mantém um vlog (diário em vídeo) na novela Carinha de Anjo — transmutado em popularíssimo canal no YouTube —, Maisa invade a gravação do humorístico A Praça É Nossa. Sobe ao palco de Eliana para dar uma tietada. Faz uma entrevista cheia de micagens com Danilo Gentili. É uma jovem exercitando o beija-mão despudorado de veteranos da TV? Errado. É uma jovem emprestando seu prestígio aos mais velhos. Maisa integra a nova categoria que tem feito a alegria do patrão Silvio: as estrelinhas das novelas infantis do SBT. Por dois dias, VEJA viu como funciona por dentro essa indústria que produz celebridades como Lorena Queiroz, de 7 anos, Sophia Valverde, de 12, Maisa, de 15 — e, claro, a mais onipresente e bem-sucedida de todas: Larissa Manoela, de 17.

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    O céu é o limite – Larissa Manoela tem agenda cheia na TV, teatro, música e cinema. “Eu me viro nos trinta.” Ela se emancipou aos 16 anos, mas os pais cuidam dos negócios. A moça sabe o que quer: “Pretendo fazer faculdade de cinema. Gosto de ser atriz, mas também tenho vontade de dirigir” (Lailson Santos/VEJA)

    Com suas novelinhas, o SBT cevou uma audiência estável acima de 10 pontos, enquanto a Record vive altos e baixos com suas produções bíblicas. Graças ao trunfo no horário nobre, já faz coisa de um ano que o SBT retomou o segundo lugar na TV brasileira, que havia perdido para a rival no fim da década passada. Quinze milhões de crianças e adultos são impactados por essas novelinhas. Mas é na internet que se percebe o pulo do gato. Carinha de Anjo caminha para a marca espantosa de 1,4 bilhão (sim, bilhão) de visualizações e 3,4 milhões de seguidores no YouTube. Há outros 39 milhões de vídeos vistos e 1,4 milhão de inscritos no Vlog da Juju. Não é à toa que o elenco do SBT abre um sorrisão para receber Maisinha.

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    A emissora começou a desbravar esse nicho em 2012, meio por acaso — e de forma caseira. Capitaneada desde 2008 pela senhora Silvio Santos em pessoa, Iris Abravanel, a ressurreição do setor de teledramaturgia do SBT resultava até então só em tramas adultas sem impacto. Ao perceber que o público infantil andava órfão no horário nobre, Daniela Beyruti, filha de Silvio, teve a ideia de fazer um remake da trama mexicana Carrossel. E coube a Iris e sua equipe de redatores a tarefa de produzir a adaptação — sempre debaixo dos olhares e palpites do maridão (confira entrevista com Iris na pág. 95). “Nossas novelas são como um oásis para as famílias depois de um dia estressante”, diz ela.

    Carrossel revelou-se um acerto e foi seguida por outros fenômenos: Chiquititas, Cúmplices de um Resgate e a atual Carinha de Anjo. Todas essas tramas, é verdade, são sucessos bem testados no passado. Chiquititas é da rede argentina Telefé e as demais, da mexicana Televisa — e elas foram exibidas com êxito pelo SBT em outras eras geológicas. As Aventuras de Poliana, com estreia na segunda quinzena de maio, é um bicho diferente. A novela tem um lastro clássico, o best-seller Pollyanna, lançado em 1913 pela americana Eleanor H. Porter. Mas, como não é um texto comprado de redes gringas e o livro original caiu em domínio público, a paternidade da trama — sobre uma órfã de otimismo inquebrantável, vivida por Sophia Valverde — será só do SBT. “Pela primeira vez, a propriedade intelectual será 100% nossa”, diz o diretor de licenciamento, Rodrigo Navarro.

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    Prata da casa – Aos 4 anos, vestida de Shirley Temple, Maisa Silva já brilhava no SBT. “Faço TV porque gosto. Não deixo a carreira impedir minha vida.” Ela cresceu, continuou a aparecer no programa de Silvio Santos, tornou-se atriz e, agora, é musa do YouTube. “É um vício que virou brincadeira séria” (Lailson Santos/VEJA)

    É um detalhe prosaico, mas com efeito prático: mais lucros. Chiquititas, Cúmplices e Carinha de Anjo já faturaram, somadas, 165 milhões de reais com a venda de 500 produtos, que vão de higiene pessoal a mochilas. Quatro meses antes de a personagem surgir na TV, a boneca de Poliana foi lançada numa feira de produtos infantis. Os folhetins anteriores se desdobraram em discos, musicais, shows e um longa-metragem. “Por volta de 20% da receita do SBT vem hoje das novelas do horário nobre”, diz Navarro.

    As novelinhas são a vanguarda da expansão do SBT na internet. Há cinco anos, a emissora resolveu ir na contramão das rivais ao oferecer todo o seu conteúdo gratuitamente no YouTube. Turbinada pelas visualizações dos clipes musicais, que as crianças não se cansam de ver, sua programação virou uma potência à parte no site de vídeos. Ainda neste ano, o SBT deverá lançar sua plataforma na linha do Globo Play e da Netflix, com cobrança de assinatura — e as novelas, de novo, serão o carro-chefe.

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    Caçula – Lorena Queiroz começou a fazer Carinha de Anjo aos 4 anos (hoje tem 7) e usava prótese para disfarçar a queda dos dentes de leite, além de gravar com ponto. Seu contrato com o SBT encerrou-se com o fim das gravações. “Tudo o que ela ganhou, investimos nela”, diz sua mãe, Gabriela (com Lorena na foto) (Lailson Santos/VEJA)

    O sucesso das novelinhas decorre de sua condição híbrida: elas conjugam conteúdo retrô com embalagem moderna. “Devem passar uma mensagem positiva. Os pais veem junto com os filhos e ninguém pode ficar constrangido”, diz Leonor Corrêa, roteirista de Carinha de Anjo (e irmã de Faustão). Faz sentido: a novela é mais vista por adultos (70%), principalmente as mulheres (66%) da classe C (61%). “A gente faz novela para crianças de todas as idades”, afirma seu diretor, Ricardo Mantoanelli. Do alto de seus 86 anos, o colega Reynaldo Boury, diretor lendário da TV que fez Carrossel e está à frente de Poliana, traduz a fórmula. “O que não pode é mostrar coisas ruins — ou seja, o Brasil de hoje. E tem de ter crianças mazinhas, que lá adiante vão se regenerar.”

    Para contrabalançar a ternura, há piscadelas para a geração conectada. Os clipes são o momento mais aguardado. Às vezes, há mais de um a cada capítulo, e essas pílulas musicais reverberam ad infinitum na internet. O Rap da Água, em que a Juju de Carinha de Anjo dá uma de militante ecológica, tem quase 20 milhões de visualizações. Os clipes também atendem a um imperativo da produção: esticar as tramas ao máximo. Com seus 390 capítulos, Carinha de Anjo é duas vezes mais longa que as atuais novelas das 9 da Globo — ainda que perca para os 545 capítulos de Chiquititas. A nova Poliana poderá igualar o feito: ficará no ar por dois anos. “Isso dilui os custos e aumenta o faturamento”, diz Boury. Cada capítulo sai por 280 000 reais, três vezes menos do que a Record torra nos novelões bíblicos. Boury explica a feitiçaria: “Alguns clipes são repetidos umas vinte vezes na novela. As crianças param o que estão fazendo e correm para a TV”.

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    Ver crianças correndo tornou-se lugar-comum, aliás, nos corredores do SBT. Não foi fácil criar know-how para canalizar tanta energia. “Em Carrossel, com vinte crianças em cena, era um inferno. O problema nem eram elas: os pais é que perturbavam. Todo pai acha que seu filho é melhor que o filho do outro”, afirma Boury. A gravação de cenas animadas — digamos, guerra de travesseiros — é desafiadora. “As crianças gostam de cena que tem bagunça”, diz Mantoanelli.

    Para botar ordem no barraco, Iris criou palestras para os pais, que vão de dicas de nutrição saudável (ela se chocava ao ver mães dando comida trash aos filhos na praça de alimentação do SBT) a orientações sobre como lidar com a fama. Indicou ainda uma conhecida, a psicóloga Rosa Naccarato, para atuar nos bastidores. “Quando viram que não dava para ser bedel e diretor ao mesmo tempo, me chamaram”, conta Rosa. Ela proibiu a permanência dos pais dentro do estúdio, já que muitos não resistiam a dar palpite. Hoje, eles ficam isolados numa casa onde há computadores, cozinha e TV, na qual podem acompanhar — a distância — os rebentos. Na hora de escolher o elenco, a lógica se repete: analisam-se tanto o comportamento das crianças quanto o dos pais. “Se vejo pressão sobre o filho, já penso: ‘Esse é noves fora’”, diz a psicóloga. “Na criança, temperamento é mais importante que talento”, diz a diretora de elenco, Marcia Ítalo.

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    Estrela da hora – Sophia Valverde tem só 12 anos, mas é uma veterana: a heroína de As Aventuras de Poliana será seu terceiro papel na TV. Enquanto a filha trabalha, a mãe, Danielle, fica de plantão com outros pais no SBT. “Acho que ela vai ser atriz quando crescer. Mas a decisão é totalmente dela” (Lailson Santos/VEJA)

    Quando temperamento e talento se harmonizam, ocorre o milagre: nascem estrelas. As novelinhas alimentam um sistema próprio de celebridades — e a fama delas faz com que as tramas bombem ainda mais. Do lado dos atores, o enredo é sempre bem parecido. Eles despertam cedo para o ramo, ao ser descobertos por olheiros e impulsionados pelos pais. Quando ganham sua chance, a família deles muda de vida, cidade e trabalho em razão da TV. O caso mais notável é o de Larissa Manoela. Saída de Guarapuava, no interior do Paraná, ela fez trabalhos aqui e ali até chamar atenção no filme O Palhaço, de Selton Mello. Larissa explodiu com as novelas do SBT — mas tornou-se maior do que elas. Depois de um filme seu de grande bilheteria ao lado de Ingrid Guimarães (Fala Sério, Mãe, visto por 3 milhões de pessoas), a produtora da família prepara-se para coproduzir sua próxima investida nos cinemas. Seus dois livros somam quase 600 000 exemplares vendidos. E o terceiro sairá em breve, com tiragem inicial de 100 000 cópias — perto disso, as 30 000 do novo de Paulo Coelho são fichinha. Larissa fatura alto com shows musicais, que juntam até 8 000 pessoas nos fins de semana — e ainda arranja tempo para fazer o musical A Noviça Rebelde, em São Paulo.

    Das estrelas das novelas, só ela e Maisa têm contratos longos, até o fim de 2019. Segundo fontes da TV, Larissa ganha na faixa de 45 000 reais por mês, com direito a folga nos sábados. Já houve flertes com a Globo, mas ela desconversa. “O futuro a Deus pertence. Mas a gente deixa as portas abertas”, diz. Maisa ganha metade disso, porém está crescendo. “Ela é a cara do SBT, e faz uma dupla impagável com Silvio Santos”, afirma Marcia Ítalo. A emissora planeja criar um talk-show para ela na internet. “Não adianta só ter vontade ou dom. A gente tem de ser um mix de tudo”, ensina Maisa. Eis o mapa da mina das estrelinhas.


    “Silvio gosta de dar pitaco em tudo”

    Solução caseira – Iris com Silvio: trabalho, só após netos dormirem (Lailson Santos/VEJA)

    Há dez anos, Iris Abravanel convenceu o marido, Silvio Santos, a ressuscitar a área de novelas do SBT. Da casa da família na Flórida — onde está com o dono do SBT, as filhas e netos —, ela fala da experiência de ser noveleira e “administradora do lar”.

    Como surgiram as novelas infantis? Fui professora do ensino fundamental e minhas filhas sabem quanto gosto de trabalhar com crianças. Quando os amigos delas iam lá em casa, eu criava jogos, brincadeiras e até filmes caseiros com histórias que inventava. Inclusive os funcionários de casa viravam protagonistas. Creio que foi por isso que minha filha Daniela teve a ideia de relançar Carrossel e entregar à minha equipe.

    Como é sua rotina de trabalho? Rotina? Será que consigo ter alguma com toda a família aqui? Só posso trabalhar depois que todos forem dormir, antes que todos acordem ou quando os bebês (netos dela e de Silvio) estão tranquilos. Enquanto falo com você, uma está mamando e os outros, dormindo. Na verdade, as minhas responsabilidades foram aumentando — além de minha família, que parece se multiplicar a cada ano. Procuro dividir meu tempo para não deixar nenhuma brecha em minhas funções de esposa, mãe, avó, novelista e administradora do lar.

    A senhora troca ideias com Silvio sobre as novelas? Se tem um cara palpiteiro, é ele mesmo. Silvio gosta de dar pitaco em tudo. Mas eu adoro. Tenho um professor de comunicação ao meu lado, e respeito muito suas opiniões. Sempre que tenho alguma dúvida, recorro a ele. É o Silvio quem bate o martelo nas minhas decisões mais difíceis.

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    E suas filhas e netos, participam do processo? Você imagina uma família com sete mulheres e um palpiteiro? Todo mundo participa de tudo. Não há segredos em nossa família, pois ninguém consegue guardá-­los. Meus netos veem todas as novelas infantis do SBT no iPad e sabem o nome dos personagens.

     

    Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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