Entre as forças que não têm histórico de caixa dois está o Partido Novo. É uma boa notícia: transborda seriedade e boa-fé, o que pode significar capacidade de implementar um urgente novo padrão de transparência pública. Na sua origem estão o melhor do setor financeiro brasileiro e suas boas práticas — um enclave onde o capitalismo nacional não depende de favores nem de compadrio.
Por enquanto, porém, o Novo repete alguns vícios dos grupos mais favorecidos, focados na crucial agenda econômica, e dá poucos sinais de compromisso com agendas progressistas e humanistas, urgentes para os que nasceram com menos sorte (como se a cartilha liberal tivesse respostas para tudo). Apesar de as pautas do Novo estarem alinhadas com a bíblia do setor financeiro, a revista The Economist, o partido pula as páginas do seu guia quando chega, por exemplo, a um assunto que une injustiça social a gestão ineficiente: a guerra às drogas — que, além de não passar de enxugação de gelo, há anos agrava a desigualdade por meio do encarceramento em massa.
Pior, o pessoal do Novo aparenta ignorar que as bases para a disputa do mérito são desiguais: um jovem de classe média tem mais condição e chance na briga do que um pobre. O capitalismo global vende o mito de que basta se esforçar que você chega lá (quem leu o livro The Meritocracy Myth sabe que não é bem assim). Sem a universalidade da educação de qualidade, a meritocracia é balela. Os municípios de Sobral e Brejo Santo, no Ceará, mostraram, contudo, que a missão não é impossível.
O Novo veio em boa hora, mas tem muito a aprender com outra força política que também aparenta não ter rabo preso com o caixa dois, o PSOL, que quase sozinho carrega no Congresso as pautas humanistas: direitos LGBT, aborto e o fim da guerra às drogas (neste assunto está quase só).
Surgem outras possibilidades, como o partido-movimento Livres (combinação de liberalismo econômico com progressismo social). A Rede, uma tentativa de ser um polo de renovação, tem foco na agenda ambiental, mas está limitada pelo histórico de ter políticos não estreantes que já conviveram com o caixa dois. Há ainda o inspirador movimento Acredito, que reúne pessoas brilhantes como a jovem Tábata Pontes (jovem da periferia de São Paulo que estudou em Harvard e sonha em mudar o Brasil pela educação), e o movimento Agora!, que tem nos seus quadros Ilona Szabó, pessoa séria e conhecida pela solidez das ideias e pela maneira doce como as coloca.
Um pouco de sensibilidade para as ciências financeiras (junto com uma visão menos rancorosa do sistema financeiro) iria fazer muito bem ao PSOL. Um pouco de aprendizado da turma do Novo sobre a realidade para além da casa-grande seria crucial. Tomara que o produto desse debate seja melhor que o que resultou da moribunda disputa PT x PSDB. Que o Partido Novo e o PSOL, junto com seus admiradores, não naufraguem nas próprias utopias e tenham a humildade de perceber que têm muito a aprender um com o outro, para — de fato — renovarem o Brasil. Aos novos movimentos, Acredito, Agora!, Livres: tomara que a indignação da população se converta em uma janela para enxergar vocês.
Publicado em VEJA de 26 de julho de 2017, edição nº 2540