Exibir ‘versus’ desenvolver
Na era do consumismo desenfreado, sobra pouco para investir
Nos estertores do comunismo, atravessei a Polônia de automóvel. Vi novas construções e puxadinhos por toda parte, mas ninguém ousava pintá-los, para não chamar atenção. Quem sabe os comissários do povo voltariam? O comunismo era um sistema espartano, com poucos luxos. Refletia o austero Marx, um intelectual de vida desorganizada e financiado pela mesada de um amigo. Também pernoitei em uma dacha governamental no Quirguistão, em nada superior a uma casa de operário alemão. O banheiro oferecia jornal, em vez de papel higiênico. Jantei ainda na antiga dacha de Stalin, sem luxos.
Enquanto o risco de uma revolução comunista pairou no ar da América Latina, os brasileiros ricos também relutavam em exibir seus luxos. E se os “comissários” viessem confiscar a casa, como aconteceu com a de um amigo meu em Cuba? Mas, esboroado o Muro de Berlim, desfizeram-se os pudores em toda parte. Aqui, o exibicionismo floresce com vigor e impunidade. Uma festa de casamento transformou-se em um empreendimento tão complexo e dispendioso quanto abrir uma fábrica. Chamam-se a empresa das flores, a da música, a do bufê, a da iluminação, a da tenda e a que administra tudo isso. No entanto, enquanto uma fábrica produziria por muitos anos, o impacto econômico da festa se evapora no dia seguinte.
Com o aumento de renda no Brasil, triunfou a teoria do nosso oráculo, Joãosinho Trinta: pobre gosta de luxo. Na religião do consumismo, tênis de marca e iPhone são os santos venerados. Os líderes operários que enriqueceram não conseguem viver sem Rolex, Montblanc e Land Rover.
Mas o país ainda tem uma parcela da população que continua bem pobre. Cumpre puxar para cima esse povaréu. Só que, sem investimentos sérios, não há como mudá-lo de patamar. E aí mora o dilema: investir mais significa consumir menos.
Nos países protestantes, o luxo é pecaminoso, o trabalho, glorificado, e o lucro, uma prova de que Deus está recompensando atos virtuosos. Prevenir-se diante do futuro é sempre uma boa ideia. Não surpreende que nessas nações se poupe mais. Nos Estados Unidos, as famílias de classe média abrem uma conta de poupança quando o filho nasce, para financiar seus estudos universitários.
Na lógica do sistema de mercado, empresários decidem quanto investir e o cidadão comum, quanto quer poupar. Da poupança saem os fundos para o investimento. A questão é que, para o bem ou para o mal, não há como impor decisões financeiras às pessoas. Infelizmente, poupamos pouco e, por consequência, investimos pouco — menos da metade do que faz a China, por exemplo.
Para piorar, no Brasil o Estado é perdulário, jamais deixando de fazer com três funcionários o que poderia fazer com um. Os orçamentos são inflados de gastos inúteis, para não falar do dreno imposto pela corrupção. Sobra pouco para suprir a fraca poupança privada.
A equação não fecha. O Estado gasta o que não pode. A sociedade prefere consumir mais a poupar e investir. Muitos empresários preferem exibir riqueza a usufruir mais adiante os frutos de seu investimento. E sem investir não se pode crescer. Qual a saída?
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598