A nove meses das eleições presidenciais, o centro continua à procura de um candidato — um nome que seja de centro-esquerda ou, sobretudo, de centro-direita. Até recentemente, boa parte dos analistas profetizava que a polarização entre Lula e Bolsonaro teria vida curta. Bastaria que um candidato ao centro se apresentasse para crescer e empurrar o ex-presidente e o deputado-capitão para seu devido lugar em lados opostos do espectro ideológico. Pois bem: vários nomes se apresentaram, sem que isso alterasse o cenário até agora — a maioria não passou de um dígito nas pesquisas de intenção de voto. Diante do quadro de estagnação das candidaturas de centro-direita e centro-esquerda, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais expoentes do grupo centrista, pela primeira vez admitiu o que antes parecia inadmissível. Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, FHC, com a ambiguidade habitual, defendeu o nome do governador Geraldo Alckmin para o Planalto, mas não descartou a possibilidade de o PSDB, partido de ambos, apoiar um concorrente de outra legenda. Afirmou: “Se houver alguém com mais capacidade de juntar, que prove essa capacidade e que tenha princípios próximos aos nossos, tem que apoiar essa pessoa”. Em relação a Alckmin, disse: “Espero que esse tenha capacidade de aglutinar. Se houver outro que aglutine, vai fazer o quê?”.
Presidente do PSDB, Alckmin registrou 6% das intenções de voto na pesquisa Datafolha divulgada em dezembro, amargando a quarta colocação. Antes de Alckmin ser ungido comandante do partido, parte dos tucanos mostrava entusiasmo com o prefeito de São Paulo, João Doria, mas sua candidatura derreteu. No apagar das luzes de 2017, foi a vez de o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, tentar se apresentar como opção. Chegou a estrelar o programa de televisão de seu partido, o PSD, mas, até agora, não passou de 1% nas pesquisas.
“O nível de descrença está muito alto. Cerca de 50% da população afirma hoje que vai votar em branco, nulo ou se abster”, diz o cientista político Paulo Baía, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “A desilusão é muito maior do que a esperança nesses candidatos de centro, o que beneficia quem tem nicho consolidado, como Lula e Bolsonaro”, diz. FHC aposta que um centro unido poderá ter tempo de TV e capilaridade pelo país para crescer e se firmar. Espaço para crescimento, garantem os especialistas, não falta — e a campanha nem começou. “As redes sociais serão importantes, mas estrutura de campanha e espaço para passar mensagens ao eleitor ainda farão a diferença. Com menos fragmentação, será mais fácil fazer isso”, diz Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope.
A indefinição no cenário da sucessão faz com que as especulações neste começo de ano continuem tão intensas quanto estiveram ao longo de 2017. O tempo para os partidos se definirem, porém, está minguando. O dia 7 de abril é o limite para que outsiders como Luciano Huck se filiem a alguma legenda. Em novembro, o apresentador da Globo garantiu que não se candidataria, mas recentemente pediu a Montenegro, do Ibope, que mantenha seu nome nas pesquisas eleitorais. Correligionários de Doria também voltaram a se entusiasmar. Assim como Huck, o prefeito solicitou que o Ibope siga testando sua candidatura. Até quem antes nem cogitava a possibilidade de concorrer começa a se animar. É o caso do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM). Ele ainda não admite entrar na disputa, mas já tem um plano para viabilizar seu nome. Em 2017, Maia, que recebeu pouco mais de 53 000 votos na última eleição para deputado, dizia não ter “tamanho” para concorrer à Presidência. Agora, afirma que não há um candidato natural no centro e que, por isso, ninguém pode ser descartado. É uma evidente mudança de discurso.
“As pessoas falam no meu nome, e vaidade todo mundo tem um pouco. Mas eu não acho que seja a hora de discutir isso. Primeiro é preciso discutir uma agenda para o país, para só depois discutir o nome do candidato”, disse ele a VEJA na semana passada. Maia, obviamente, tem uma agenda pronta para ser votada tão logo a Câmara retome os trabalhos, em fevereiro — e a agenda a que ele se refere como a ideal é, coincidentemente, a sua.
O projeto presidencial do deputado se assenta no tripé “pauta econômica”, “pauta de segurança” e “pauta ética”. De olho no apoio dos donos do dinheiro, Maia quer aprovar a reforma da Previdência e, em seguida, votar mudanças nas leis sobre agências reguladoras e licitações, demandas antigas do setor privado. O objetivo é deixar claro que ninguém mais do que ele tem compromisso com a agenda reformista e, mais importante, força política para implantá-la. A “agenda social” do deputado, por enquanto, é toda devotada à segurança pública. Se depender dele, a Câmara votará projetos de combate ao tráfico de drogas e armas, e aprovará mudanças no Estatuto do Desarmamento. “As pessoas têm de ter direito à sua arma”, diz, farejando os votos hoje prometidos ao colega Bolsonaro.
Acusado de receber propina da Odebrecht em troca de apoio à aprovação de uma medida provisória, Maia, o “Botafogo”, como é citado nas planilhas da empreiteira, terá algum trabalho para convencer os eleitores que defendem mais rigor contra corruptos e corruptores. Mas se mostra disposto a trabalhar, por exemplo, pela restrição ao foro privilegiado. Outra promessa é lutar para restringir as indicações políticas para cargos públicos estratégicos — a pedra angular dos crimes investigados na Lava-Jato. Nas fileiras do DEM, o deputado já é visto como possível candidato ao Planalto. A entrada em cena de um partido até há pouco condenado à extinção dá a exata medida da aridez no campo do meio. Apostas em aberto.
Publicado em VEJA de 10 de janeiro de 2018, edição nº 2564