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Eles não acham o papa pop

Pela primeira vez, visita de Francisco a um país é precedida por protestos de rua

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 17h30 - Publicado em 19 jan 2018, 06h00

Depois de 21 viagens internacionais nas quais só encontrou aplausos, o papa Francisco começou, na semana passada, uma visita em que, pela primeira vez, ouviu protestos nas ruas. O pontífice viajou para o Chile para uma estada de três dias, antes de seguir para o Peru na quinta-feira 18. Às vésperas, igrejas sofreram ataques com bombas e pessoas foram às praças protestar contra os altos gastos de segurança envolvidos no périplo papal e a decretação de feriados religiosos. É curioso que a reação tenha ocorrido justamente na América Latina, tradicional ativo para a Igreja Católica, onde vivem 40% dos católicos do mundo. O rebanho de fiéis é maior que o da Europa, com 23% do total.

Ainda assim, as manifestações reuniram centenas de pessoas, enquanto as missas celebradas pelo papa foram acompanhadas por milhares de fiéis. À primeira delas, no Parque O’Higgins, em Santiago, compareceram 400 000 pessoas. Em Temuco, foram 250 000 fiéis. Ali, Francisco dedicou a missa às vítimas da ditadura de Augusto Pinochet, e a celebrou num aeródromo onde os militares mantinham um centro de detenção e tortura. Ele fez questão de lembrar que no local houve “graves violações dos direitos humanos”.

A reação de alguns chilenos à presença do papa no país decorre de várias razões. Assim como acontece no Brasil, o catolicismo tem despencado no Chile desde os anos 1990. O movimento é parecido com o que ocorreu na Europa três décadas antes. “Com instituições democráticas sólidas e um modelo de desenvolvimento centrado no mercado e no consumo, os chilenos ficaram mais individualistas e deixaram de acreditar nas instituições religiosas”, diz o sociólogo chileno Cristián Parker, da Universidade de Santiago do Chile. Segundo ele, enquanto os europeus se tornaram ateus ou agnósticos, os chilenos mantiveram a fé e alguns rituais, mas assumiram outras religiões, como o esoterismo e as filosofias orientais. Hoje, 48% deles se declaram católicos, 35% não têm religião, 9% são evangélicos e apenas 0,5% é ateu ou agnóstico.

Nos últimos sete anos, essa tendência foi reforçada com a divulgação de abusos sexuais praticados por padres chilenos contra menores e adolescentes. O mais conhecido prelado envolvido nesses crimes foi Fernando Karadima, que era chamado de “santo” pelos jovens que aconselhava na capital, Santiago. Em 2010, três deles o acusaram de abuso sexual na Justiça Civil. “Os escândalos desmoralizaram os católicos mais ativos e ofereceram àqueles que já estavam descontentes um pretexto para se afastar ainda mais”, diz o sociólogo chileno Eduardo Valenzuela, da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Em 2011, ainda durante o papado de Bento XVI, que não teve forças para enfrentar as denúncias de pedofilia, Karadima foi considerado culpado pela Igreja, mas não perdeu o sacerdócio e continuou celebrando missas, apesar de ter sido proibido de fazê-lo.

O papa Francisco assumiu o trono convencido de que precisava abrir um combate cerrado aos escândalos de pedofilia. Criou a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, com o objetivo de realizar um trabalho de educação e prevenção dos abusos contra crianças e adolescentes na Igreja Católica. Também defendeu maior celeridade na análise das acusações pela Congregação para a Doutrina da Fé. Em uma carta do início de 2017, pediu tolerância zero com casos de abuso sexual de menores praticado por membros do clero. No mesmo ano, afirmou que jamais dará perdão a um sacerdote acusado de pedofilia.

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Entretanto, em Santiago, causou estranheza a presença de um dos discípulos e braço-direito de Karadima, o bispo Juan Barros Madrid, na primeira fila de uma missa celebrada pelo papa na terça 16. Barros é acusado de ter sido cúmplice de Karadima e de ter acobertado seus desvios. “Ele (Barros) estava presente quando Karadima tocava nos meus genitais, quando me fazia dar beijos nele e fazia isso com outros”, disse uma das vítimas, Juan Carlos Cruz.

O conhecimento dos abusos dos padres contra cerca de oitenta jovens tornou o Chile o país da América Latina em que o repúdio à Igreja é mais alto. Só 36% dos chilenos dizem confiar na instituição (na América Latina, são 65%). Ao anticlericalismo se juntaram os jovens anarquistas, que recorrem a ações diretas contra o sistema. Para eles, ainda que o papa tenha um discurso a favor dos oprimidos e seja mais aberto à diversidade, o pontífice é o símbolo de uma instituição antiquada que deve desaparecer. “O Chile combina a influência europeia anarquista com os movimentos indígenas radicais”, diz o cientista político peruano Carlos Meléndez, da Universidade Diego Portales, no Chile. “Bombas em caixas eletrônicos e encomendas com explosivos para empresários da mineração são consideradas coisas normais.”

Espanta que o papa tenha optado por entrar em um terreno hostil e, mais uma vez, tenha evitado pisar na Argentina, sua terra natal. Especula-se que ele quer evitar aprofundar o racha social do país. “Se ele vier e se encontrar com o presidente Mauricio Macri, a oposição dirá que está jogando com o oficialismo. Se não o fizer, dirão que está com a oposição”, afirma o cientista político argentino Rosendo Fraga, de Buenos Aires. Em 2013, Francisco reuniu-se no Vaticano com o governador Daniel Scioli, que mais tarde seria o candidato a presidente de Cristina Kirch­ner. “Se Scioli tivesse vencido a eleição, e não Macri, o papa já teria vindo à Argentina”, aposta o cientista político Patricio Giusto, de Buenos Aires.


Índice sob suspeita

(//VEJA)

“De fake news (notícias falsas) a fake statistics (estatísticas falsas)”, esbravejou pelo Twitter o ministro das Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz. A bronca do chanceler tinha como alvo o Banco Mundial. A queixa ocorreu depois de o economista-chefe da instituição, o americano Paul Romer, ter afirmado, em entrevista ao The Wall Street Journal, que o Chile fora vítima de um caso de manipulação no ranking Doing Business, estudo anual que avalia a qualidade do ambiente de negócios nos países. Uma alteração metodológica, segundo Romer, teria motivado o tombo do Chile na classificação. O governo chileno, tão logo soube da notícia, viu ali evidências de interferência política. O país perdeu posições justamente nos anos de governo da atual presidente, de centro-esquerda, Michelle Bachelet (veja o quadro acima), e ganhou terreno no governo de Sebastián Piñera (2010 a 2014), de centro-direita, que acaba de ser eleito para um segundo mandato e toma posse em março. “Os rankings das instituições internacionais precisam ser confiáveis, porque afetam os investimentos”, criticou Bachelet. As teorias conspiratórias se intensificaram porque o responsável pelo estudo, Augusto López-Claros, seria chileno — mas, na verdade, é boliviano.

A direção do Banco Mundial foi pega de surpresa pelos comentários de Romer e anunciou a contratação de uma auditoria independente para averiguar o caso. Dias depois de armada a celeuma, entretanto, Romer voltou atrás em suas acusações de manipulação. Em seu blog, limitou-se a dizer que, sem mudanças metodológicas, o Chile teria perdido cinco posições, e não 21. Aconselhou que as alterações fossem feitas de maneira mais transparente. Observou ainda que a nota chilena chegou a aumentar entre 2017 e 2018, mas o país perdeu postos porque outros tiveram melhora mais acentuada.

Publicado em VEJA de 24 de janeiro de 2018, edição nº 2566

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