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Dá uma licencinha

Passageiros com transtornos psicológicos agora têm permissão para viajar de avião com seu animal de estimação — mesmo que seja um pato 

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 1 jun 2018, 06h00 - Publicado em 1 jun 2018, 06h00

Imagine a cena: nos Estados Unidos, em um voo de cinco horas de Nova York para Los Angeles, o passageiro acomoda-se na poltrona e depara, instalado no assento ao lado, com um pavão-azul. Não, isso não aconteceu — mas por pouco. Em janeiro, a artista plástica americana Ventiko queria porque queria embarcar com o exótico companheiro em um voo da United Airlines. A empresa vetou a entrada de Dexter (o pavão, claro, tem nome) na aeronave e aproveitou a ocasião para fazer uma revisão e estabelecer limites mais claros em sua política de transporte dos chamados animais de suporte emocional, ou ESA, na sigla em inglês — uma categoria de pet cada vez mais comum no exterior e que está começando a pôr as patinhas de fora no Brasil.

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Só a concorrente Delta transporta anualmente cerca de 250 000 animais acomodados na cabine, junto aos donos. Eles se encaixam em três classes de, digamos, passageiro. Uma é o cachorrinho ou gato pequeno, levado em caixa apropriada. Outra é o animal de serviço, treinado para auxiliar pessoas com deficiência, principalmente cegos, que sabe se comportar e viaja solto. A terceira é o ESA, o bicho de estimação do qual o dono não se separa porque ele lhe dá tranquilidade e confiança. Sua companhia é prescrita por psicólogos e psiquiatras, como parte do tratamento contra ansiedade, depressão e síndrome do pânico.

Ainda pouco reconhecidos no Brasil, os animais de suporte emocional são cada vez mais vistos no exterior em ambientes nos quais bichos não são bem-vindos, como lojas, cinemas, shows, palestras e, claro, viagens, levados por donos munidos de prescrição que atesta sua necessidade constante. A modelo Ana Cláudia Carttori, de 28 anos, radicada em Nova York, conta que chegou a sofrer crises agudas de ansiedade e pânico antes de viagens de trabalho até encontrar um terapeuta nos Estados Unidos que lhe recomendou a adoção de um cachorro. “Minha vida mudou completamente com a chegada da Jazz”, afirma Ana Cláudia. Sempre que precisa voar, a cadela mestiça de labrador veste um coletinho com a sigla ESA, para facilitar a identificação. Ao contrário da maioria dos colegas, ela passou por um treinamento. “Aprendeu a não brincar, não correr e não fazer suas necessidades no avião. Ninguém é obrigado a viajar com um cachorro indisciplinado”, diz a modelo.

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Jazz não está sozinha em seu programa de viajante frequente na condição de fornecedora de suporte emocional. A United registrou um aumento de 75% nos pedidos desse tipo de transporte entre 2016 e 2017. Na Delta, o salto foi de 84%. O designer Thiago Oliver, de 31 anos, mudou-se de São Paulo para Lisboa para cursar um mestrado em 2017 e teve dificuldade para embarcar no avião com o chow-chow Yuri. Diagnosticado com depressão, Oliver diz que precisa do gigante de pelos escuros para levar vida normal. “Nunca viajei sem o Yuri, e fiquei aflito com a ideia de mudar de país sozinho”, explica. Decidido, gastou 3 500 reais em documentação (laudo psiquiátrico e vacinas) e treinamento do cão.

É compreensível que as empresas façam restrições aos ESA. Em novembro do ano passado, uma mulher foi expulsa de um voo da US Airways por falta de etiqueta higiênica de seu porquinho de estimação. Em 2016, passageiros da Delta se surpreenderam com a presença de um peru de apoio emocional. No mesmo ano, um macaco teve a viagem interrompida em uma escala nos Estados Unidos, por falta de documentação. Entre os animais indispensáveis aos donos já se registrou a presença de uma lhama e de um minicavalo. Ao rever suas regras depois do incidente com o pavão Dexter, a United proibiu viagens na cabine de porco-espinho, furão, cobra, aranha e répteis, em qualquer circunstância. Também passou a exigir certificado de treinamento e atestado veterinário. “Alguns passageiros estavam tentando tirar vantagem da política da empresa de poder levar a bordo os animais de suporte. Daí a razão das novas normas, mais restritas”, afirma o americano Charles Hobart, porta-voz da United.

“A ciência já provou que acariciar e cuidar de um animal estimula a produção de hormônios relacionados ao bem-estar”, diz a psicóloga Silvana Prado

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A psicóloga Silvana Prado, fundadora da ONG Patas Therapeutas, explica os benefícios de ter um animal de apoio para quem sofre de transtornos psicológicos. “A ciência já provou que acariciar e cuidar de um animal estimula a produção de hormônios relacionados ao bem-estar, como a dopamina, a prolactina e a ocitocina”, diz. “Muitos portadores de transtornos psicológicos têm dificuldade para construir vínculos e cuidar de si mesmos, obstáculos que o laço com um animal, desprovido das cobranças e julgamentos que acompanham as relações humanas, pode ajudar a transpor”, afirma a psicóloga.

O MELHOR REMÉDIO -Thiago, o dono, com Yuri, o cão: “Nunca viajei sem ele” (Arquivo Pessoal/.)

No Brasil, não existe legislação re­lativa aos ESA, mas eles também começam a se fazer presentes nos aviões. A Azul já permite o transporte dos animais nessa categoria em voos para os Estados Unidos, onde eles são bem-vindos. A Latam, a primeira a acei­tá-los em trajetos nacionais, registrou um aumento de 70% no transporte de animais de assistência nos primeiros quatro meses deste ano, em comparação com o mesmo período no ano passado. Por mais que possam causar problemas, alguns bichinhos têm lá seu charme. Em 2016, o pato Daniel viralizou nas redes sociais ao viajar de Charlotte para Asheville, na Carolina do Norte. Quietinho, de sapatinhos vermelhos, passou o trajeto de cinquenta minutos observando as nuvens pela janela enquanto era acariciado pelo dono. Um bom garoto.

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Publicado em VEJA de 6 de junho de 2018, edição nº 2585

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