Mesmo quem está familiarizado com a bandidagem no Rio de Janeiro ficou espantado no dia 7 de abril: 159 homens foram capturados pela polícia numa festa sob a suspeita de integrar o exército de milicianos que infelicita a cidade. A prisão em massa, espetacular e cênica, pareceu a imagem do sucesso da Polícia Civil e os primeiros resultados concretos da intervenção federal no estado. Nos dias que se seguiram, a realidade começou a mostrar sua carranca: muitos dos presos eram trabalhadores sem passagem pela polícia que foram à festa porque gostavam dos grupos de pagode que constavam da programação, outros resolveram comemorar ali o aniversário, muitos até pagaram ingresso para entrar e a maioria nem estava sendo investigada pela polícia antes da festa — de tal modo que não havia nem indício de que pudessem ser milicianos. Questionada sobre a balbúrdia por meio do Twitter, a Polícia Civil deixou escapar uma enormidade ao responder que cabia “aos acusados provarem a inocência na Justiça”. Como as coisas funcionam exatamente ao contrário num Estado democrático de direito, a polícia apagou o post em seguida — e pediu desculpas. Da multidão presa, o Ministério Público do estado pretende indiciar apenas 21 gatos-pingados. Na quarta-feira 25, a Justiça revogou a prisão preventiva dos 137 restantes (um já havia sido solto). Fazia dias que seus familiares estavam protestando em frente ao fórum, usando nariz de palhaço para denunciar a arbitrariedade. A polícia diz que a festa foi uma homenagem a um chefão da milícia. Mas, enquanto os policiais se ocupavam de prender gente anônima, o chefão conseguiu fugir.
Publicado em VEJA de 2 de maio de 2018, edição nº 2580