Jair Bolsonaro protagonizou duas das cenas mais interessantes nesta campanha até aqui, certamente entre as mais comentadas. Em ambas, antagonizou-se com mulheres: primeiro com a oponente Marina Silva, depois com a jornalista Renata Vasconcellos. Marina confrontou Bolsonaro em um debate, acusando-o de ignorar a discriminação salarial feminina. Ele ficou sem resposta. O tema voltou à tona na entrevista ao Jornal Nacional, com Bolsonaro já mais preparado. Disse que não defendia a ideia de que mulheres ganhassem menos, mas escorregou ao sugerir que a Globo discriminava Renata em favor de William Bonner. Teve de ouvir um sermão da apresentadora, que disse que seu salário não interessava a ninguém mais senão a ela própria e que jamais se conformaria em receber menos que um homem no mesmo cargo.
Os dados são inequívocos: as mulheres, em média, ganham quase 25% menos, segundo o IBGE. É uma diferença grande num mês, que se torna imensa se poupada e capitalizada ao longo da vida. Menos claros são os motivos. O tema começou a ser levado a sério pelos economistas com a publicação do livro A Economia da Discriminação, em 1957, de Gary Becker, baseado em sua tese de doutorado, concluída dois anos antes. Becker foi um craque em expandir a análise econômica para diversas esferas da vida, e isso lhe rendeu, em 1992, o Prêmio Nobel. Seu interesse era a diferença salarial entre brancos e negros americanos. Ele argumentou que a discriminação no mercado de trabalho tenderia a ser corrigida pelo próprio mercado: se fosse possível contratar trabalhadores igualmente produtivos por um salário menor, muitos empresários não teriam dúvidas. A maior procura por aquele grupo elevaria seu salário. Transportando para o Brasil: com um salário menor, as mulheres receberiam mais ofertas, e com o tempo a diferença entre trabalhadores com a mesma qualificação deveria sumir. No caso brasileiro, joga a favor delas o fato de terem, em média, maior escolaridade. Ainda assim, a diferença resiste — embora menor que no passado.
A maternidade é uma razão? Pode ser. Alguns estudos mostram que os salários de homens e mulheres são semelhantes até perto dos 30 anos. É daí em diante que a diferença cresce — exatamente o momento em que muitas famílias têm filhos. Há também aspectos difíceis de mensurar, como os estereótipos sobre os gêneros. Homens seriam mais agressivos. Escolhem profissões que remuneram melhor. Alguns estudos mostram como fatores culturais pesam: a diferença de notas em matemática em favor dos meninos cai muito se quem estiver dando aula for uma professora, não um professor. Pode ser que elas venham sendo desestimuladas em algumas matérias, e isso afete escolhas futuras. E talvez prevaleça o espírito de clube: a maioria dos chefes são homens, e eles escolhem os próximos chefes.
São questões complexas que servem para pensar na discriminação em muitos outros grupos. O que pode ser feito? Numa campanha polarizada, com Bolsonaro à frente, vamos ouvir muito sobre as mulheres. Boa notícia. Se daí vai sair alguma luz, é algo bem mais duvidoso.
Publicado em VEJA de 5 de setembro de 2018, edição nº 2598