A Argentina corre sério risco de encerrar 2018 com uma recessão. Em maio, o país registrou uma queda de 5,8% na atividade econômica em relação ao mesmo mês do ano passado. Embora sem o número de junho, já é possível prever que o acumulado do segundo trimestre do ano será de retração — e o terceiro caminha para idêntico resultado. O fiasco foi provocado por uma seca no campo e pela desvalorização do peso. O valor da moeda argentina caiu 30% em relação ao dólar neste ano, o que elevou o preço das matérias-primas e estourou a meta de inflação. Se no fim de 2017 o governo de Mauricio Macri esperava uma taxa de inflação de 10% para este ano, hoje há quem diga que ela fechará 2018 na casa estratosférica dos 30%. Em discursos recentes, Macri tem classificado o cenário como uma “tormenta”, eufemismo para evitar a palavra “crise”. É verdade que ele assumiu no fim de 2015 com uma tarefa hercúlea, a de desfazer as barbaridades cometidas por seus antecessores Cristina e Nestor Kirchner. No poder entre 2003 e 2015, o casal elevou os gastos, impôs o controle artificial dos preços e afastou investimentos. “As correções a ser feitas eram enormes. Não será de uma hora para outra que o país voltará a atrair investimentos e o setor produtivo será reativado”, diz o economista Otto Nogami, do Insper, em São Paulo. Mas não há desculpa para tudo. Erros cometidos por Macri ajudaram a escurecer as previsões.
Para pôr o país nos eixos e cortar a inflação, Macri precisava conter os gastos públicos, diminuindo o déficit nas contas governamentais. Uma de suas iniciativas foi limar os subsídios nos transportes e nas contas de luz e de gás. O “tarifaço” contribuiu para aquecer a inflação por algum tempo. A médio prazo, Macri tinha de convencer os governadores das províncias a cortar despesas, demitindo funcionários públicos. A resistência que enfrentou frustrou a esperança de redução do déficit. No meio do caminho, o governo ainda baixou os juros para tentar ativar a economia. Como consequência, os investidores abandonaram a Argentina em busca de juros mais altos nos Estados Unidos. O dólar disparou e Macri pediu socorro ao FMI, alimentando mais protestos. “A receita do FMI não é diferente daquela que o governo estava empregando, mas agora a exigência é maior”, diz o analista Thomaz Favaro, da Control Risks, uma consultoria de gestão de riscos. A popularidade do presidente, que estava acima dos 50%, hoje varia de 22% a 35%, a depender do instituto de pesquisa.
Até as eleições de outubro de 2019, Macri não poderá impulsionar obras públicas, expediente que foi muito útil nas legislativas de 2017. A insatisfação popular já aparece em greves, que tiveram um aumento de 23% neste ano. Se antes só opositores políticos iam para as ruas, agora há gente de todo tipo e de todas as correntes ideológicas. Em março, o presidente anunciou que era hora de o país encarar um debate maduro sobre o aborto, que na Argentina só é permitido em casos de estupro e risco de vida para a mãe. Macri se diz contra a descriminalização do aborto, mas o fato é que sua proposta de debater o assunto — sugerida por seu marqueteiro, o equatoriano Jaime Durán Barba — só lhe rendeu más notícias. No próximo dia 8 de agosto, o Senado votará a questão e, independentemente do placar, Macri pagará a conta. Nas manifestações a favor do aborto, só quem comparece são os membros de partidos de esquerda e os seguidores da ex-presidente Cristina Kirchner, opositores ferrenhos do governo. “Qualquer que seja a decisão do Senado, ela será negativa para Macri”, diz o cientista político Patricio Giusto, da consultoria Diagnóstico Político, de Buenos Aires. “Ao levar o tema para os congressistas, ele rachou sua base de eleitores, majoritariamente contra o aborto, e fragmentou sua base política, a coalizão Cambiemos. Foi um dos seus grandes erros estratégicos.”
Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594