Se fosse dada ao estudante a opção de escolher entre uma aula de trigonometria e uma aula sobre trabalho em equipe, com qual ele ficaria? E os pais, diante da mesma escolha, que assunto iriam priorizar? Quase todos hoje em dia entendem que os sistemas de educação precisam mudar, de forma profunda e no seu cerne. No entanto, muito poucos conseguem articular exatamente como essa mudança deve ser implantada. Claro que em certas situações é importante saber calcular com precisão o seno e o cosseno de um ângulo reto, porém a escola moderna não pode manter a trigonometria como um dos focos do currículo simplesmente porque sempre foi assim, em detrimento de outras habilidades essenciais na atualidade para a vida e o trabalho. Indo mais longe: além de repensarmos o que as crianças aprendem, temos de reavaliar como elas aprendem, de modo que cresçam preparadas para um mundo em constante transformação.
Estudar e desenvolver as chamadas “habilidades do século XXI” adquiriu tamanha importância que desencadeou um movimento global em direção à Educação Baseada em Competências (EBC ou, na sigla em inglês, CBE, de Competency-Based Education), um conjunto de orientações destinadas a ajudar alunos e professores a trilhar um caminho novo no ensino. Ao contrário do que se observa no currículo tradicional, centrado em conteúdo (matemática, idiomas, história), a EBC enfatiza a capacitação do estudante para desempenhar as habilidades e competências que lhe serão exigidas no trabalho e na vida em sociedade, como pensamento crítico, consciência de si mesmo, colaboração e relacionamento com seus pares, entre outras.
Esse tipo de conhecimento não será adquirido na sala de aula convencional, com base em um currículo linear que tem pré-escrito e predeterminado, por exemplo, “o que é pensamento crítico”. Ele virá de uma experiência imersiva, fundamentada em projetos e conectada à realidade, dentro de um contexto de longo prazo e respeitando o ritmo de cada um — exatamente o conceito contido na EBC. As mudanças no ecossistema de educação ocorrem de maneira mais rápida e fluida quando os pais se engajam no processo e se tornam seus defensores, exigindo não apenas que seus filhos passem de ano e aprendam equações, mas que se preparem para ser felizes, prósperos e bem-sucedidos em um mundo complexo e em mutação.
A persistente preocupação dos pais com as chances de seu filho entrar em uma boa faculdade é compreensível. Entretanto, nos últimos anos, temos visto com frequência grandes empresas queixando-se de que, depois de passarem anos na universidade, os recém-formados que elas empregam precisam ser treinados, em média por seis meses, para conseguir desempenhar sua função com eficiência — e o foco desse treinamento está exatamente nas competências abrangentes, tais como colaboração, tomada de decisão e gestão de projetos. A pressão do mercado de trabalho pelo desenvolvimento de novas habilidades, alinhada com a onda global em favor de mudanças na educação, levou as instituições de ensino superior a repensar, elas também, seus métodos educacionais. Resultado: há várias faculdades que afastam o olhar das boas notas nas disciplinas de sempre e se baseiam em projetos mais individualizados. Nessas escolas, o objetivo é atrair alunos já familiarizados com as competências e habilidades do ensino moderno, capazes de conduzir sua trajetória na direção do conhecimento.
O movimento mais forte em prol da EBC é sentido nos Estados Unidos. Ele também ganha cada vez mais impulso na Austrália e na Nova Zelândia, onde vem amadurecendo há décadas. Seus princípios estão nitidamente refletidos no recente e revolucionário currículo nacional da Finlândia, que flexibilizou a fronteira entre as matérias de modo a oferecer um aprendizado mais multidisciplinar. Esse novo jeito de ensinar também pode ser visto nas escolas Lumiar, no Brasil e em outros países, assim como em mais colégios, aqui e ali.
São exemplos de um ambiente de aprendizado que verdadeiramente atende às demandas do futuro, preparando crianças e jovens para o que vem por aí. O salto não é difícil, contudo requer ruptura com o passado e coragem para deixar de fazer as coisas simplesmente porque “sempre foi assim”, quando está claro que aquele sistema não funciona mais. Suporte financeiro é sempre bem-vindo, mas a transformação da educação para que se adapte aos novos tempos não exige muito dinheiro. O importante mesmo é que governos, escolas, professores, pais e alunos tenham a percepção de que o mundo mudou e a educação precisa mudar com ele.
*Jennifer Groff, pesquisadora americana do Media Lab no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, é diretora de produto do grupo Lumiar
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2018, edição nº 2597