O desabamento, causado por um incêndio, de um edifício de 24 andares no centro de São Paulo, na madrugada de 1º de maio, escancara a dupla moral do poder público e de movimentos sociais no Brasil. O Edifício Wilton Paes de Almeida pertencia à União e estava sem uso oficial havia quinze anos. Nesse período, após sucessivas invasões, tornou-se uma favela vertical onde moravam 320 pessoas, das quais 49 continuavam desaparecidas até o fechamento desta edição. Depois da tragédia, transbordaram as boas intenções e a preocupação com os desalojados. Mas por trás da moral altruísta se escondia a moral oportunista: a prefeitura prometeu vistoriar setenta outros edifícios ocupados na cidade, porém se eximiu de qualquer culpa — apesar de, recentemente, ter fiscalizado o prédio que ruiu e avaliado que ele estava fora de risco; o governo estadual tratou o episódio como “uma tragédia anunciada”, lavando as mãos para o brutal problema do déficit habitacional; o presidente Michel Temer apareceu no local — não por empatia genuína com as vítimas, mas “porque ficaria muito mal não comparecer” — e escapuliu em seguida em meio a vaias e xingamentos; e a turma de Guilherme Boulos, pré-candidato à Presidência pelo PSOL e líder do Movimento dos Trabalhadores sem Teto, convocou protestos com o mal disfarçado objetivo de ofuscar a própria responsabilidade por incentivar os pobres a viver em armadilhas incendiárias. Os únicos que não recorreram às falácias de ocasião foram as vítimas da tragédia: os miseráveis que não têm onde morar e ainda perderam o pouco que tinham.
Publicado em VEJA de 9 de maio de 2018, edição nº 2581