Diante de uma multidão reunida na região central de Juiz de Fora, depois das 15 horas de quinta-feira, Jair Bolsonaro repetia uma cena corriqueira em sua rotina de campanha: carregado nos ombros por quatro homens, fazia sinal de positivo para sua militância, que gritava palavras de ordem em apoio ao presidenciável, hoje líder isolado nas pesquisas de intenção de voto. Bolsonaro aparentava satisfação em estar no meio de seus potenciais eleitores, quando seu rosto adquiriu feições de dor. A transformação em seu semblante foi causada pelo servente de pedreiro Adelio Bispo de Oliveira, 40 anos, que alcançou o deputado em meio ao povo e, atacando pelo lado direito, desferiu-lhe uma facada na altura do abdômen.
Antes de atingir seu alvo, Oliveira teve o braço levemente desviado por um apoiador que percebeu de imediato suas intenções. O desvio, contudo, não foi suficiente para impedir que a faca alcançasse a barriga do capitão da reserva. Bolsonaro vergou de dor, pôs a mão no local do ferimento e foi imediatamente carregado para uma viatura que acompanhava o grupo e conduzido para a Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Policiais federais que faziam sua escolta prenderam Oliveira em flagrante.
Bolsonaro vestia uma camiseta amarela com os dizeres “Meu partido é o Brasil”. Ele transpirava, ainda que a temperatura na cidade não ultrapassasse os 24 graus. Levado ao hospital com pressão baixíssima (10 por 3), foi atendido de imediato e encaminhado ao setor de ultrassonografia, onde se detectaram perfurações no intestino. O deputado federal Marcelo Álvaro Antonio, presidente do PSL de Minas Gerais, o acompanhava. Bolsonaro foi levado ao centro cirúrgico e passou por uma laparoscopia, para identificar a extensão das lesões. Depois do exame mais detalhado, constataram-se perfurações na artéria mesentérica (que irriga o intestino) e nos intestinos grosso e delgado. Uma cirurgia foi feita para suturar os ferimentos. No começo da noite, o procedimento já se encerrara e o quadro de Bolsonaro era estável. Quando VEJA fechou esta edição, o candidato permanecia em observação no CTI, sem risco iminente de morte.
Oliveira, natural de Montes Claros, cidade no norte do estado, foi filiado ao PSOL até 2014, e publicava opiniões majoritariamente radicais em sua página no Facebook. Seus alvos preferidos eram Bolsonaro, o governo Temer e a maçonaria, entidade à qual ele se referia como “direita maçônica” ou “conspiração maçônica”. Oliveira criticava a conduta do deputado afirmando que ele era um “traidor da pátria”. Em 16 de julho, postou um vídeo em que chamava Bolsonaro de “traidor Judas” e pedia “pena de morte” por ele “entregar a Amazônia aos Estados Unidos”.
No começo da campanha, Bolsonaro insistia em vestir um colete de proteção por medo de atentado. Mas, nos últimos tempos, havia desistido de usá-lo porque passara a se sentir mais seguro depois de receber a escolta da Polícia Federal durante a campanha — o que é prática comum da PF quando se trata de candidatos à Presidência da República. Mas nem sempre foi assim. Desde que oficializou sua pré-candidatura, ele vinha recebendo sucessivas ameaças, conforme revelou uma reportagem de VEJA publicada em junho deste ano. Bolsonaro deixou de frequentar lugares movimentados, de ir à praia, e passou a evitar até visitas à padaria. Quando saía, levava sempre duas pistolas automáticas no coldre.
A violência política, em geral, decorre de uma combinação perversa em que a radicalização ideológica encontra um militante disposto a tudo ou portador de algum tipo de desequilíbrio mental. A esse respeito, até agora, nada se sabe sobre Oliveira, mas quanto à radicalização do ambiente político não há dúvida. Nos Estados Unidos, que, ao contrário do Brasil, são um país com tradição de atentados políticos, a era de maior violência foi justamente a década de 60, quando a polarização era intensa. Havia a luta pelos direitos civis e pela igualdade racial. Em 1963, o presidente John Kennedy foi assassinado em Dallas. Em 1968, seu irmão Bob Kennedy também foi morto quando fazia campanha presidencial pelo Partido Democrata. No Brasil, o atentado mais dramático, por suas consequências pesadíssimas para os autores e para o próprio país, aconteceu em 1954, na Rua Tonelero, no Rio de Janeiro, contra o oposicionista Carlos Lacerda. Ele saiu ferido no pé e aproveitou o episódio para incendiar o país — que logo conviveria com o suicídio de Getúlio Vargas, cujo auxiliar estava envolvido no crime. Agora, a situação é inteiramente diferente, mas um ataque é sempre um trauma para um país que quer fazer política num ambiente civilizado.
Ainda é cedo para medir as repercussões do episódio na corrida presidencial. O caso pode consolidar votos para Bolsonaro, ao reafirmar a certeza dos seus eleitores de que ele é o candidato que o Brasil precisa eleger — ou mesmo conquistar eleitores que venham a se compadecer de seu sofrimento. Mas também pode afugentar aqueles com receio de prestigiar uma figura política que causa tamanha polarização.
Uma vítima é sempre uma vítima, mas não se pode abstrair do fato de que uma vítima é também responsável pelo ambiente que ela própria ajuda a criar. Nisso, Bolsonaro tem uma penitência a fazer. Com sua linguagem insultuosa e ofensiva a minorias e adversários políticos, combinada com seu elogio constante às soluções violentas, o candidato faz um convite irresponsável à exacerbação dos ânimos. Quando o ônibus da caravana de Lula no sul do país foi alvo de tiros, Bolsonaro não condenou o ato criminoso. Ao contrário: ironizou e disse que era armação do PT. Agora, seus adversários políticos vieram a público — civilizadamente — condenar a agressão inaceitável de que Bolsonaro foi vítima. É como se deve proceder numa democracia. Se o atentado de Juiz de Fora deixa alguma lição útil ao país, é esta: o extremismo e a radicalização nunca levarão um país a bom porto.
Com reportagem de Fernando Molica
Publicado em VEJA de 12 de setembro de 2018, edição nº 2599