Os eventos do século XX criaram, nos russos, uma profunda aversão à instabilidade. As revoluções das primeiras décadas, a Guerra Civil que consolidou o poder bolchevique, as privações trazidas pelas duas grandes guerras, os expurgos stalinistas, a derrocada da União Soviética, a transição caótica para o capitalismo na década de 90: quase não houve geração na Rússia que tenha sido poupada das agruras do excesso de incertezas na política e na economia. Atualmente, pode-se dizer que a Rússia é um país estável. Até demais, no que se refere à política.
Vladimir Putin está há dezoito anos no poder e prepara-se para continuar como homem forte da nação até 2024. Ele foi presidente por dois mandatos de quatro anos, entre 2000 e 2008, primeiro-ministro entre 2008 e 2012 (período em que continuou dando as cartas, enquanto o então presidente Dmitri Medvedev, seu poste, fez figuração) e novamente presidente, a partir de 2012. No próximo 18 de março, ele será eleito para um segundo mandato consecutivo, agora de seis anos. Sim, trata-se de uma constatação. As eleições presidenciais na Rússia, que em 2012 foram marcadas por acusações de fraude, não passam de uma encenação. Haverá o nome de outros candidatos nas urnas, mas nenhum tem a menor chance de derrotar Putin. Ou melhor, nenhum deles sequer se arrisca a criticar o presidente. São irrelevantes em todos os sentidos. Juntos não alcançam mais do que 15% das intenções de voto. Putin, por sua vez, tem 67% nas pesquisas mais recentes.
O pleito de março, portanto, é mais uma coroação de Putin, de 65 anos, do que uma disputa verdadeiramente democrática. Ainda assim, decisões recentes demonstram que ele está preocupado com o resultado da votação. O único candidato realmente independente e disposto a apontar o dedo diretamente contra o longevo ocupante do Kremlin foi impedido de disputar a eleição, em decisão tomada em dezembro pela Suprema Corte russa, que é controlada por Putin, por causa de uma condenação por fraude, ocorrida em 2014, que a Corte Europeia de Direitos Humanos classificou como arbitrária e politicamente motivada. Alexei Navalny, um advogado de 41 anos que lidera um movimento anticorrupção, tinha um apoio eleitoral irrisório — menos de 3% das intenções de voto. Ainda assim, Putin considerou-o uma ameaça.
A razão é a postura imperial assumida mais e mais por Putin. Para ele, seria insuportável a mera possibilidade de ser confrontado e criticado publicamente na TV. A campanha daria a Navalny o palco midiático do qual é excluído na maior parte do tempo. Os três maiores canais de TV do país são estatais, assim como duas das três principais agências de notícias, e o nome de Navalny é tabu em seus programas e reportagens. Outra possível explicação para a decisão de excluir Navalny é que ele era o único com possibilidade de crescer nas pesquisas, e Putin teme obter, em março deste ano, uma votação menor do que a que alcançou em 2012, quando recebeu 64% dos votos. Isso é desimportante do ponto de vista eleitoral, mas passaria uma imagem de fraqueza para a elite oligárquica russa, a única força no país capaz de ameaçar os seus planos de perpetuação no poder.
O apego de Putin ao cargo é uma combinação de popularidade e autoritarismo. Sua atuação no governo tem a aprovação de 80% da população. Isso se deve ao fato de ele representar a garantia de estabilidade que a maioria dos russos tanto anseia. Segundo uma pesquisa do Centro Levada, um dos poucos institutos independentes na Rússia (e que, por isso mesmo, recentemente foi proibido de fazer enquetes de cunho político), as qualidades mais apreciadas pelos cidadãos em Putin são a firmeza, a masculinidade, o apoio ao Exército e o fato de ser um líder forte. Essa força reflete-se no segundo pilar do seu regime, o autoritarismo. Desde 2012, quando milhares de pessoas foram às ruas contra a fraude nas eleições, os protestos são monitorados de perto pela polícia política.
Publicado em VEJA de 7 de fevereiro de 2018, edição nº 2568