Tudo pelo clã: Coronel Jairo, pai do Dr. Jairinho, volta à cena política
Recém-empossado deputado estadual, cacique dá uma demonstração de poder depois de o filho ser preso pelo assassinato do enteado
Alguns dias antes de vir a público que Jairo Souza Santos, o Coronel Jairo, retornaria ao tabuleiro do poder fluminense, uma comitiva com cerca de dez deputados estaduais bateu à porta de sua casa, em Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. A intenção era sondar a disposição do cacique daquela região da cidade para voltar a ocupar uma vaga na Assembleia Legislativa, espaço que se abrira depois de o governador Cláudio Castro puxar para o seu secretariado o dono da cadeira, Rodrigo Bacellar. Como primeiro suplente, o coronel, filiado ao Solidariedade, tinha direito ao posto na Alerj, mas os deputados estavam lá para sugerir que seu regresso arranharia a imagem de Castro. Argumentavam que “a opinião pública” interpretaria a movimentação como um afago a ele, que vem a ser pai do vereador Jairo Souza Santos Júnior, o Dr. Jairinho, acusado de tortura e homicídio triplamente qualificado do enteado, Henry Borel, de 4 anos, em março. “Não sou covarde”, teria bradado o PM aposentado, enfatizando que por nada abriria mão de seu assento. E em 2 de junho lá estava ele, tomando posse de um mandato que veio em boa hora. Com todo o desgaste em torno do filho, Coronel Jairo quer deixar bem claro que ainda detém força política.
Aos 71 anos, ele bate pé pelas ruas de Bangu, onde nasceu e sempre viveu, como fazia antes do bárbaro crime que chocou o país. Em 19 de junho, foi até aplaudido ao entrar em uma churrascaria do bairro para jantar. Adesivos de suas últimas campanhas eleitorais e das de Jairinho, agora preso, seguem colados em postes e vidros de carros que circulam pela região, onde residem quase 2 milhões de eleitores. “Embora preferisse que ele não tivesse tomado posse, o governador não quer bater de frente. Sabe de sua importância no cenário fluminense e o tem como eventual aliado”, avalia um parlamentar. Em seu quinto mandato, Coronel Jairo retoma os holofotes dois anos e oito meses após ser preso na Operação Furna da Onça, da Lava-Jato fluminense, acusado de integrar a quadrilha do ex-governador Sérgio Cabral e de ter embolsado 2,8 milhões de reais em propina. Depois de nove meses em regime fechado e quatro em prisão domiciliar, conseguiu um habeas-corpus e, como até então não foi julgado, pôde assumir o gabinete.
Jairão tem participado das sessões virtuais, mas até agora se ausentou das votações. “Passo a maior parte do tempo estudando a defesa do meu filho. Vamos provar que é inocente”, diz a interlocutores, sinalizando que a estratégia da defesa será lançar a culpa na mãe de Henry, Monique Medeiros, também acusada da morte da criança e presa. Coronel Jairo já começou, inclusive, a se mexer nos bastidores para tentar aliviar a barra de Jairinho, prestes a ser julgado pela Comissão de Ética da Câmara dos Vereadores, que deve cassá-lo. O patriarca teria mandado avisos a vereadores. “Disse que sua mulher está muito abalada e que não era para os colegas do filho tripudiarem da situação. Na verdade, todo mundo tem medo dele”, reconhece um deputado. Ele e outros ouvidos por VEJA lembram de um episódio recente que enxergam como um sinal do poderio de Jairo-pai: a recusa do governador em falar à Câmara sobre o telefonema que recebeu de Jairinho, pedindo-lhe ajuda logo após o crime.
Embora se defina como um homem romântico e até recite versos publicamente — é autor do livro de poemas Pedaços de Vida —, Coronel Jairo, relatam pessoas próximas, é do tipo que se exalta facilmente, desfere socos na mesa e adota tom ameaçador quando contrariado. Ele ostenta a maior votação já obtida por um deputado estadual na Zona Oeste (50 818 votos, em 2006) e costuma alardear que “detesta” os grupos milicianos que dominam bairros do Rio, muitos da Zona Oeste onde habita. Apesar disso, foi citado no relatório final da CPI das Milícias como um dos líderes de uma dessas organizações criminosas e ainda recai sobre ele a suspeita de que seria um dos mandantes da tortura de dois jornalistas em uma favela carioca, em 2008. O serviço Disque-Denúncia registra 66 ligações apontando elos do coronel e de seu filho com milicianos, além de irregularidades eleitorais, como compra de votos e desvio de recursos públicos. Até hoje, nada foi comprovado.
De volta ao xadrez político, Coronel Jairo, que preside o Ceres Futebol Clube, time da terceira divisão do Rio sediado em Bangu, foi rápido ao nomear seus assessores — entre eles, um diretor da agremiação e uma antiga funcionária envolvida em movimentações bancárias suspeitas em seu gabinete entre 2016 e 2017, de acordo com o Coaf. Nas eleições de 2018, apesar do apoio em vídeo do então candidato a senador Flávio Bolsonaro, com quem conviveu por mais de uma década no ambiente legislativo do Rio, conseguiu apenas a suplência. Com onze stents no coração, apostava todas as fichas no filho-vereador para perpetuar o clã. O regresso em momento tão delicado demonstra que seu capital político extrapola as urnas.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744