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Testadas mais uma vez, instituições reagem à altura a atos bolsonaristas

Bloqueios de estradas e manifestações pedindo a volta da ditadura marcaram semana seguinte à derrota de Bolsonaro

Por Reynaldo Turollo Jr., Sérgio Quintella Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 nov 2022, 10h21 - Publicado em 4 nov 2022, 06h00

Em um país onde o futuro é duvidoso e até o passado é incerto, um dos resultados possíveis do pleito trazia uma certeza: uma derrota de Jair Bolsonaro nas eleições por uma margem muito pequena daria espaço a questionamentos e ameaças institucionais, dado o histórico do presidente de semear esse tipo de dúvida em meio ao processo. E foi o que acabou acontecendo. Em vez de tanques nas ruas, o movimento antidemocrático materializou-se com caminhoneiros e outros apoiadores mais radicais do presidente bloqueando rodovias país afora. Na segunda 31, havia 421 trechos de estradas fechados, espalhando um rastro de problemas. Houve cancelamento de voos, risco de desabastecimento de alimentos, atraso na entrega de insumos para a produção de vacinas e pessoas sofrendo com emergências médicas dentro dos carros, em filas intermináveis.

O caos acabou sendo alimentado pelo silêncio de Bolsonaro, que esperou 45 horas para se manifestar após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva e, finalmente, desautorizar atos que cerceassem o direito de ir e vir, mas apoiando movimentos pacíficos que, segundo ele, “são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”. No dia seguinte ao pronunciamento, durante o feriado de Finados, ainda se viam muitas rodovias com problemas, embora numa escala já bem menor. Alguns bloqueios foram desbaratados por caravanas de torcidas organizadas de futebol em deslocamento para acompanhar seus times em jogos do Campeonato Brasileiro. Influenciada pelas palavras do presidente, parte dos apoiadores fez manifestações pedindo a volta da ditadura militar em São Paulo e no Rio de Janeiro. No interior de Santa Catarina, as pessoas reunidas num evento de protesto fizeram a saudação nazista. Em novo pronunciamento, agora nas redes sociais, Bolsonaro pediu expressamente que as vias fossem desobstruídas.

Ainda que esse tipo de mobilização não tenha contado com o apoio da maioria da população, o momento testou novamente a capacidade das instituições de reagirem a ameaças antidemocráticas. Antes de o atual mandatário se pronunciar na tarde da terça-feira 1º, a Justiça já havia entrado em campo com a firmeza necessária para começar a desmobilizar o levante. O Supremo Tribunal Federal rapidamente enquadrou a Polícia Rodoviária Federal, suspeita de fazer corpo mole diante dos protestos, por meio de uma liminar do ministro Alexandre de Moraes que atendeu a um pedido da Confederação Nacional do Transporte pelo fim dos bloqueios. Instantes depois, a presidente da Corte, Rosa Weber, levou a decisão para referendo dos ministros no plenário virtual. Na madrugada de segunda para terça, já havia maioria de votos endossando a liminar de Moraes — sinal inequívoco de que a cúpula do Poder Judiciário estava unida para enfrentar qualquer iniciativa golpista.

RESPOSTA - Pacheco, Moraes e Rosa Weber: Legislativo e Judiciário unidos para enfrentar qualquer tentativa de ruptura -
RESPOSTA - Pacheco, Moraes e Rosa Weber: Legislativo e Judiciário unidos para enfrentar qualquer tentativa de ruptura – (Antonio Augusto/Secom/TSE)

Pela manhã da terça veio a última e a mais eficaz cartada: Moraes autorizou as Polícias Militares a também atuar na desobstrução das rodovias federais, quebrando o monopólio da PRF, chefiada por um aliado de Bolsonaro. Não tardou para que governadores como Rodrigo Garcia (PSDB), em São Paulo, e Romeu Zema (Novo), em Minas, dessem ordens às suas tropas para encerrar o tumulto. Garcia disse que os bloqueios eram “inadmissíveis”, e Zema declarou que “a eleição já acabou” e que ia “cumprir a lei”. Ambos apoiaram Bolsonaro no segundo turno, mas foram claros ao se posicionar contra qualquer contestação às urnas. Tarcísio de Freitas (Republicanos), bolsonarista que venceu a disputa para o governo paulista, também foi categórico: “Entendo que eles (caminhoneiros) devem estar chateados, mas o resultado da urna é soberano”.

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O levante nas estradas foi só mais um dos percalços que as instituições precisaram enfrentar durante o longo processo eleitoral de 2022 — e é um bom exemplo da resiliência da nossa democracia. Desde que Lula voltou a ser elegível por decisão do STF, em abril de 2021, os ataques de Bolsonaro ao Supremo e ao Tribunal Superior Eleitoral só se intensificaram. Acusações infundadas de que a contagem de votos era feita em uma “sala secreta”, de que houve fraude na eleição de 2014, vencida por Dilma Rousseff, e de que as urnas contêm um “código malicioso” capaz de roubar votos para o PT dominaram o noticiário nos últimos meses, inclusive com o apoio de setores militares. Por duas vezes, o 7 de Setembro foi sequestrado pelo bolsonarismo, que lotou as ruas com ameaças aos membros dos tribunais. O próprio presidente chegou a dizer que não mais cumpriria decisões da Justiça — tendo de recuar depois.

Na véspera do segundo turno, a campanha de Bolsonaro, que estava atrás nas pesquisas, acusou rádios de boicotarem suas propagandas. Aliados cogitaram pedir adiamento da eleição. Comprovou-se que a alegação não passava de mais uma bravata, pois quem deveria fiscalizar a inserção das propagandas era a própria campanha, e não o TSE. O ministro das Comunicações, Fábio Faria, que havia encabeçado a “denúncia”, voltou atrás e se disse arrependido.

VIOLÊNCIA - Zambelli: a deputada sacou a arma após discutir com apoiador de Lula -
VIOLÊNCIA – Zambelli: a deputada sacou a arma após discutir com apoiador de Lula – (./Reprodução)

A lista de ataques às instituições é extensa, mas, depois da totalização dos votos no domingo 30, o desenrolar dos fatos foi mostrando a Bolsonaro que ele não teria apoios relevantes entre seus aliados políticos caso resolvesse continuar o embate. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), beneficiado com o orçamento secreto e responsável por segurar mais de uma centena de pedidos de impeachment, apressou-se em reconhecer a vitória do petista. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que já havia tido papel de destaque na defesa do processo eleitoral e do Judiciário, apareceu ao lado de Moraes, presidente do TSE, para anunciar o resultado. Foi elogiado pelo ministro.

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Ao lado dos radicais que fechavam estradas restaram alguns poucos bolsonaristas mais ferrenhos, como a deputada reeleita Carla Zambelli (PL-­SP), que um dia antes do segundo turno havia sacado uma arma nas ruas dos Jardins, em São Paulo, contra um apoiador de Lula com quem discutira. O episódio pegou mal na campanha. Na terça, após fazer postagens que convocavam apoiadores a ficar nas rodovias, ela teve suas redes sociais suspensas por ordem da Justiça. Outro que pregou “resistência civil” contra o resultado da eleição foi o deputado Coronel Tadeu (PL-SP), que não conseguiu se reeleger. Grupos no Telegram, inclusive, foram um dos principais canais de comunicação entre os radicais, que organizavam por ali o envio de água e comida aos responsáveis pelos bloqueios. Na quarta-feira 2, alguns desses canais começaram a ser tirados do ar.

O que não deve acabar tão cedo é o desdobramento judicial das ações e omissões perpetradas pela Polícia Rodoviária Federal nos últimos dias — um bom exemplo de como a politização das forças de segurança é nociva para o ambiente democrático. A demora para agir contra os atos golpistas contrastou com a atuação proativa da corporação no dia do segundo turno, quando foram feitas centenas de blitze, sobretudo no Nordeste, sob a justificativa de cuidar da segurança dos veículos que transportavam eleitores. Na ocasião, Moraes disse, com certa ironia, que os policiais estavam verificando “pneus carecas”. O episódio foi visto como uma tentativa de dificultar a votação, reflexo de um processo de bolsonarização da PRF denunciado há algum tempo por entidades da categoria, que tem hoje 13 000 agentes na ativa. O diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, foi indicado ao cargo pelo senador Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um do presidente. Nas redes sociais, Vasques se mostra um bolsonarista-raiz. Ele chegou a pedir voto em Bolsonaro na véspera do pleito, mas apagou. Vasques foi ameaçado de prisão por Moraes, caso não trabalhasse para desobstruir as vias. Foi a partir daí que os agentes, na ponta, relataram ter recebido orientações coordenadas para atuar.

CELERIDADE - Lira: o presidente da Câmara correu para reconhecer o resultado -
CELERIDADE - Lira: o presidente da Câmara correu para reconhecer o resultado – (Sergio Lima/AFP)

A Justiça também deve responsabilizar os grupelhos que fecharam as estradas e seus mentores. Membros do MPF de todo o país pediram ao procurador-geral, Augusto Aras, que investigue o envolvimento de políticos no levante, incluindo Bolsonaro. Enquanto isso, promotores nos estados já começaram a apurar as responsabilidades dos que foram às ruas. O objetivo é encontrar os líderes e os financiadores. “Essas pessoas são massa de manobra. Queremos e vamos conseguir saber quem está organizando”, diz o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Sarrubbo. O MP paulista ainda abriu um inquérito para apurar a omissão de policiais militares que fizeram vistas grossas para as manifestações. Em algumas cidades, houve lamentáveis cenas de soldados batendo continência aos manifestantes que bloqueavam estradas. Felizmente, as instituições, que reagiram à altura diante de toda sorte de ameaças nos últimos tempos, vão continuar em estado de alerta, de forma a frear o avanço de uma minoria barulhenta e baderneira que não aceita as regras do jogo democrático.

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Publicado em VEJA de 9 de novembro de 2022, edição nº 2814

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