Desde que foi tragado pela sucessão de escândalos revelados pela delação da JBS, o presidente Michel Temer lançou-se em uma cruzada para garantir a própria sobrevivência. Precisando do apoio do Congresso para enfrentar as ações da Procuradoria-Geral da República (PGR), Temer distribuiu cargos e verbas públicas a todos os deputados dispostos a enfrentar o desgaste com a opinião pública para defendê-lo. Tornou-se refém de um consórcio de partidos que, não raro, representa os piores interesses no Congresso. Aos poucos, os efeitos desse loteamento de cargos começam a aparecer. No dia 13 de julho, há pouco menos de um mês, o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, mandou exonerar o auditor-geral, o diretor de Atendimento e o procurador-chefe da Procuradoria Federal do INSS. Os três cargos foram entregues a apadrinhados políticos do líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE). Tão logo os nomes dos substitutos apareceram no Diário Oficial da União, chamaram a atenção de integrantes da cúpula do órgão e do próprio ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra, que passaram a vasculhar os interesses em torno da dança de cadeiras. Veio uma pista que alarmou o governo.
Desde o fim do ano passado, a Procuradoria Federal do INSS preparava-se para executar um processo milionário contra a Associação Nacional dos Servidores Públicos da Previdência e da Seguridade Social (Anasps). Especializada em mover ações contra o poder público, a entidade teria recebido indenizações indevidas que somariam cerca de 56 milhões de reais. O processo que cobra a devolução dessa fortuna permaneceu engavetado durante anos na Procuradoria. Nos últimos meses, porém, a cúpula do INSS deu ordem para executar a ação. Foi aí que o ministro da Casa Civil exonerou o procurador que comandava a área e o substituiu pelo indicado de André Moura, o professor Ricardo Panquestor. Ao examinar o currículo de Panquestor, o governo poderia ter descoberto o cheiro de queimado no ar. Panquestor, o novo procurador, que deveria coordenar a área de cobrança da dívida milionária da Anasps, era, na verdade, funcionário da Faculdade Anasps, instituição de ensino privada pertencente à entidade. Por que o governo não identificou o flagrante conflito de interesses? Como o próprio Ministério do Desenvolvimento confirmou a VEJA, inexplicavelmente, a nomeação dos indicados do líder André Moura foram lançadas no Diário Oficial da União sem que tivessem passado por qualquer um dos filtros (Advocacia Geral da União e Controladoria-Geral da União) obrigatórios do governo.
Mas o caso fica pior. Três fontes do INSS confirmaram a VEJA que as indicações para o INSS foram negociadas com o deputado André Moura pelo próprio presidente da Anasps, Alexandre Barreto. O contato entre os dois teria sido feito pelo consultor Daniel Vesely, que trabalha na Câmara dos Deputados. Daniel tem sólidas relações com Moura, o PSC e a própria Anasps. Ele é irmão do diretor de Gestão de Pessoas do INSS, Thiago Vesely, que é filiado ao PSC e foi colocado no cargo por indicação de Moura. Para completar, o diretor de Gestão de Pessoas do INSS aparece em vídeos da Anasps na internet falando de temas de interesses de seus associados e vinha usando a estrutura do INSS para fazer propaganda da entidade.
Procurado por VEJA para falar da negociação em torno dos cargos no INSS, o presidente da Anasps, Alexandre Barreto, negou qualquer conflito de interesses na nomeação de Ricardo Panquestor. “Conheço o Ricardo Panquestor. Ele é associado da Anasps e já foi nosso colaborador, já deu aula pra gente aqui. Tenho uma relação de amizade com ele. Agora, a Anasps não tem poder para nomear ninguém”, diz Barreto. O presidente da Anasps também negou conhecer Daniel Vesely: “Não conheço, nunca ouvi falar desse Daniel e nunca fiz qualquer negócio com ele. Esse nome eu nunca ouvi falar e ninguém falou com André Moura em meu nome”, afirma. Já Daniel Vesely, deu versão diferente: “Conheço o pessoal da Anasps. Conheço o Alexandre, tenho uma relação protocolar com ele. Como sou funcionário do Congresso, conheço vários deputados do Congresso, inclusive o André Moura. Mas não tratei de nomeação com ele”, diz Vesely.
Na terça-feira, VEJA procurou o Ministério do Desenvolvimento Social, a quem o INSS está subordinado, para colher informações sobre as nomeações dos indicados de André Moura. Diante da apuração da reportagem, o ministro Osmar Terra foi ao Palácio do Planalto, conversou com Eliseu Padilha, da Casa Civil, e relatou a situação ao próprio presidente Michel Temer. Depois de ouvir a explicação sobre o caso, Temer determinou ao ministro a exoneração de todos os três indicados do líder do governo no INSS. Nesta quinta-feira, o Diário Oficial da União trouxe as demissões deles e também do diretor de Gestão de Pessoas, Thiago Vesely. Ricardo Panquestor, que ficou no cargo menos de um mês, limitou-se a dizer a VEJA, por telefone, que não sabia a razão de sua exoneração.
O líder do governo no Congresso, André Moura, não retornou as ligações de VEJA. Thiago Vesely admite conhecer Ricardo Panquestor, mas nega relação com a indicações de André Moura e os interesses da Anasps. “Tenho relações com a Anasps, como tenho com outras entidades. Meu cargo exige que tenha essa relação. Mas em momento algum conversei sobre assuntos da Anasps com meu irmão”, disse.