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Sem apoio político e dividido, MST aposta fichas no retorno do PT

Os tempos de glória do outrora temido Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, agora esvaziado e sem dinheiro, acabaram

Por Hugo Marques Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h59 - Publicado em 22 abr 2021, 20h12
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  • Vai longe o tempo em que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) ocupava um espaço de destaque no cenário nacional. No governo do tucano Fernando Henrique Cardoso, o MST comandou a “luta” pela reforma agrária — uma sequência interminável de invasões de propriedades privadas e prédios públicos, que obedecia a critérios políticos. Nas gestões petistas, o MST conheceu as maravilhas da vida de quem tem acesso privilegiado às verbas públicas. Só na gestão de Dilma Rousseff, associações ligadas ao movimento receberam 106 milhões de reais em repasses da União, o que ajudou a financiar grandes manifestações. Como detentor da chave do cofre, o PT cobrava a devida contrapartida e fez do MST um instrumento de disputa política a serviço do partido, cujos dirigentes, em mais de uma ocasião, ameaçaram colocar “o exército vermelho” dos sem-terra nas ruas ou nas fazendas para constranger adversários. Esses tempos de glória acabaram. Sob Jair Bolsonaro, que assumiu a Presidência prometendo que “nossa bandeira jamais será vermelha”, o movimento perdeu capacidade de mobilização, recursos e praticamente saiu de cena.

    REBELIÃO - Nelcilene e Ivan: “O MST nos usava como trabalhadores escravos” -
    REBELIÃO - Nelcilene e Ivan: “O MST nos usava como trabalhadores escravos” – (Cristiano Mariz/VEJA)

    Um exemplo do esvaziamento do MST é o chamado Abril Vermelho, uma mobilização nacional em defesa da reforma agrária que era realizada todos os anos e foi idealizada para homenagear os dezenove sem-terra mortos pela Polícia Militar, no Estado do Pará, em abril de 1996. Neste ano, o MST e seus associados não foram às ruas sob a alegação de que, diante da gravidade da pandemia, era preciso evitar aglomerações e respeitar o distanciamento social. A justificativa faz sentido, mas ela não explicita o principal. Mesmo se a pandemia estivesse debelada, o MST não conseguiria colocar 100 000 pessoas nas ruas de Brasília ou promover 100 invasões de terra num único dia como foi capaz de fazer no passado. Falta dinheiro ao movimento. E sem o dinheiro caiu o número de associados e de atos. Antes da pandemia, havia 120 000 famílias debaixo de lonas e em barracos de madeirite espalhadas pelo país. Agora, são 80 000. Vangloriando-se do feito, o presidente Bolsonaro já disse que houve apenas cinco invasões de propriedade em seu primeiro ano de mandato, ante uma média de 258 invasões nos anos iniciais dos mandatos de Lula e Dilma e Fernando Henrique.

    Entre as razões para a perda de força do MST estão, além da dificuldade financeira, duas medidas incentivadas pelo governo Bolsonaro. Uma delas é o armamento dos fazendeiros, que se sentem estimulados a reagir a tentativas de invasão de suas propriedades. “O MST efetivamente é uma organização criminosa que prestou e continua prestando um desserviço à nação”, afirma o ruralista Nabhan Garcia, secretário de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, que adora contar que sempre dorme com uma arma debaixo da cama. A outra iniciativa é a distribuição de títulos de propriedade de terra a assentados. Um pequeno agricultor que foi militante do MST por duas décadas contou a VEJA que recebeu o título de seus 25 hectares em Goiás, o que foi suficiente para o preço do terreno subir cinco vezes. “Eles estão tentando cooptar a nossa base, entregando títulos de propriedade privada, com a ilusão de que aí vão ser pequenos empreendedores, para induzi-­los na primeira crise a vender”, disse João Pedro Stédile, líder do MST, ao fazer um balanço das atividades do movimento em 2020. A princípio, o movimento existe para que seus participantes recebam terra. Reclamar disso mostra que, na verdade, a principal preocupação é a manipulação política — e não a vida dos agricultores.

    arte MST

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    Diante de tal quadro, a principal aposta do MST agora é defender a volta de Lula ao poder. Um dos mais ativos coordenadores nacionais do movimento, Alexandre Conceição afirma que o grupo vai “seguir junto” com o ex-presidente em 2022. A aposta na redenção por meio dos petistas faz sentido, já que a cúpula do MST sempre recebeu privilégios do partido e enfrenta atualmente sérias dificuldades para segurar a sua base. Hoje, inclusive, lida com uma defecção que ganha força a cada dia. É crescente a criação de acampamentos pela Frente Nacional de Luta (FNL), entidade que abrigou líderes do MST que não concordavam com o alinhamento de Stédile e companhia ao governo petista. “O MST cruzou os braços desde o governo do Lula. Largamos o MST porque não concordamos com o apoio do movimento ao PT. Não nascemos para que partido político venha nos direcionar”, diz Cláudio Oliveira, que militou por mais de duas décadas nas fileiras do MST e hoje é um dos coordenadores da FNL. “Hoje o MST abre um acampamento e não dá assistência às famílias”, critica Oliveira.

    **ATENÇÃO**NÃO REUTILIZAR ESTA IMAGEM, SUJEITO A COBRANÇA POR USO INDEVIDO**FOTO EXCLUSIVA PARA A UTILIZAÇÃO APENAS NA REVISTA VEJA**
    ACABOU A MAMATA - Protestos: vitaminados por verbas públicas, eles antes reuniam milhares de manifestantes – (Sérgio Lima/Folhapress/.)

    O desgaste não se dá apenas pela falta de assistência. No Acampamento Marias da Terra, um dos mais conhecidos do DF, a 20 quilômetros do Palácio do Planalto, uma rebelião dos 600 acampados expulsou, no ano passado, dez coordenadores do MST. “Eles estavam extorquindo a gente, pegando dinheiro com as famílias para pagar os almoços e a gasolina deles”, diz Nelcilene Reis, que foi ligada ao movimento por cinco anos. Por não ter um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) e, portanto, não existir formalmente, o MST nunca recebeu recursos diretamente da União. O fluxo de dinheiro se dava por meio de entidades associadas de luta pela reforma agrária. Nelcilene é presidente da Associação dos Produtores Rurais da Rota do Cavalo, que nasceu dentro do Marias da Terra. Ela conta que antes trabalhava das 8 às 17 horas no mercadinho do MST sem receber salário. O tal mercadinho, por sinal, serviu de combustível para a insatisfação com o movimento. As famílias expulsaram os líderes do MST porque os preços cobrados eram escorchantes.

    Segundo o técnico em eletricidade Ivan Xavier, que é marido de Nelcilene e esteve no MST por cinco anos, os produtos custavam até cinco vezes mais do que em mercearias localizadas em cidades próximas. “O MST nos usava como trabalhadores escravos. Todos nós éramos obrigados a contribuir com dinheiro, não podíamos vender nada e não podíamos melhorar os barracos para parecermos mais miseráveis”, afirma Xavier. Na época, o clima esquentou a tal ponto que os coordenadores do MST levaram vinte facões para enfrentar os acampados, mas foram contidos pela polícia. O acampado Geraldo Ribeiro Campos, que dedicou seis anos ao MST, também reclama dos antigos colegas de movimento: “Era uma ‘pedição’ muito grande. Pediam arroz, feijão, carne, e tudo ficava para a coordenação geral”. Com o fim da verba governamental fácil, o MST passou a incentivar os acampados e assentados a se inscrever no Bolsa Família e, mais recentemente, a pedir o auxílio emergencial.

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    FAVELA - Acampamento do MST no DF: Bolsa Família e auxílio emergencial -
    FAVELA - Acampamento do MST no DF: Bolsa Família e auxílio emergencial – (Cristiano Mariz/VEJA)

    Dados do Ministério da Cidadania mostram que em agosto de 2012, segundo ano do governo Dilma Rousseff, 15 606 famílias de assentados recebiam Bolsa Família; hoje, são 83 668 famílias. Com a nova rodada do auxílio emergencial, que começou a ser desembolsada em abril, serão 46 738 famílias beneficiadas. Com a pandemia, as condições de vida estão a cada dia mais precárias. Os acampamentos vêm se transformando em verdadeiras favelas. A dona de casa Andrea Maria da Silva tem quatro filhos e mora em um barraco no Acampamento Che Guevara, na divisa do DF com Goiás, que pertence à FNL. A única renda dela são os 243 reais que recebe por mês do Bolsa Família. “Eu cresci em uma favela no Recife, mas lá pelo menos tinha água encanada e esgoto. Aqui não tem nada disso”, compara Andrea. Luciana Neres vive com dois filhos em um barraco e também reclama: “Faltam alimentos e material escolar para as crianças”. Iran de Souza, acampado que se sustenta com “bicos” de pedreiro e vive com a mulher e os quatro filhos num barraco, engrossa o coro. “Minha esposa recebe 400 mensais de Bolsa Família. Isso ajuda um pouco.” Enquanto a cúpula do MST sonha com Lula e a volta aos dias de grandes manifestações, a base, praticamente abandonada, luta pela própria sobrevivência.

    Publicado em VEJA de 28 de abril de 2021, edição nº 2735

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