Enquanto negociavam um acordo de delação premiada com o empreiteiro Léo Pinheiro, que incriminou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os procuradores do Ministério Público Federal trataram o empresário com desconfiança. Segundo mensagens obtidas pelo site The Intercept Brasil e divulgadas pelo jornal Folha de S.Paulo, ele só ganhou crédito após mudar a narrativa sobre o tríplex do Guarujá.
O empreiteiro apresentou a versão que incriminou Lula em abril de 2017, quase um ano após o início das investigações, ao afirmar que a OAS reformou o apartamento. Em 2016, o ex-presidente da enpreiteira foi condenado na Lava Jato e recorria em liberdade, mas temia ser preso caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região rejeitasse sua apelação.
Antes disso, entretanto, os procuradores manifestaram insatisfação com o conteúdo dos relatos oferecidos pelos representantes do empreiteiro. Mesmo assim, em agosto de 2016, eles aceitaram assinar um termo de confidencialidade na expectativa de fazer as negociações avançarem. No dia seguinte, uma reportagem de VEJA mostrou que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, era citado na delação — informação que, segundo os diálogos divulgados, os procuradores desconheciam.
A reportagem, publicada no dia 19 de agosto de 2016, tratava das relações do empreiteiro com o magistrado e de uma reforma em sua residência: “Se Léo Pinheiro, depois de meses e meses de negociação, propôs um anexo em que menciona uma obra na casa do ministro Toffoli, isso é um sinal de que algo subterrâneo está para vir à luz no momento em que a delação for homologada e os detalhes começarem a aparecer”. Os procuradores atribuíram a informação a um vazamento promovido por um advogado do empreiteiro. “Até a Veja ja viu o anexo e nós ainda não”, queixou-se a procuradora Jerusa Viecili naquele mesmo dia.
No dia seguinte, 20 de agosto, as conversas agora divulgadas mostram que os procuradores discutiram a interrupção das negociações — iniciativa da qual o procurador Deltan Dallagnol discordava. “Acho que devíamos romper. Se foi por advogados ou os próprios executivos, problema deles. Só não fomos nós. Essa manobra deles pode nos custar muito caro. O STF vai se fechar e vão acabar com nossos acordos. Não acho que o risco valha a pena. Temos que sinalizar claramente que não vamos ser usados”, disse a procuradora Anna Carolina Resende Maia Garcia.
Dois dias depois, VEJA também registrou que o “rompimento” tratado pelos procuradores no aplicativo Telegram havia prevalecido. No dia 22 de agosto, a Procuradoria-Geral da República confirmou a suspensão das negociações de delação premiada na esteira das revelações feitas pela revista a partir de um anexo da delação.
Ao fim daquela semana, uma nova reportagem de VEJA voltaria a incomodar os procuradores. A revista publicou, com exclusividade, os conteúdos de sete anexos que haviam sido descartados pelo então procurador Rodrigo Janot e envolviam a campanha à reeleição de Dilma Rousseff, os senadores tucanos Aécio Neves e José Serra e o ex-presidente Lula — implicado com detalhes sobre o tríplex do Guarujá, a reforma do sítio de Atibaia, suas palestras e a guarda de bens do petista.
No dia 26 de agosto de 2016, mesmo dia em que a reportagem foi publicada, os procuradores reputavam à defesa de Léo Pinheiro o vazamento da informação. “Sobre o Lula eles não queriam trazer nem o apartamento do Guarujá. Diziam que não tinha crime. Nunca falaram de conta”, escreveu naquele dia o procurador Sérgio Bruno Cabral Fernandes.
Na mesma edição, a revista registrou que, desde o início da Lava Jato, VEJA e outros veículos anteciparam o conteúdo de pelo menos treze acordos de delação — sete deles ainda em fase de negociação; três já fechados com o MP; e outros três homologados pela Justiça. Em nenhum dos casos eles haviam sido suspensos. Em nota, a Procuradoria-Geral da República justificou o cancelamento do acordo naquela ocasião por quebra de confiança.