Reduto político-gastronômico, casa de Kátia Abreu é ponto de negociação
Política nacional é debatida por ministros do Supremo, do TCU e parlamentares entre moquecas e vinhos no famoso apartamento da senadora
O cardápio já é conhecido entre influentes deputados, senadores e ministros da mais alta corte do país. Com direito a menu completo, a entrada é sempre regada a queijos, salames, amendoins e acepipes – coisa mais leve mesmo, para não perder o brilho do prato principal. Da cozinha, a espera é pela já tradicional fritada de aratu e pela moqueca, típicos pratos nordestinos que são o carro-chefe da casa. A sobremesa também virou tradição: sorvete com calda de goiabada cascão para adoçar temas mais espinhosos. Um bom vinho na mão, e está servido o cenário que protagoniza grandes acordos, petardos e articulações da política nacional.
O já famoso e antigo ponto de encontro dos poderosos é a casa da senadora Kátia Abreu (Progressistas-TO), localizada na Asa Sul, em Brasília. O apartamento funcional foi, neste ano, palco de inúmeras reuniões e jantares depois das sessões em plenário. Algumas das confraternizações são descobertas, embora a ideia seja manter as discussões bem longe dos holofotes. Passou por lá, por exemplo, o então desembargador Kassio Nunes Marques quando tentava convencer os senadores a lhe aprovar na sabatina para a cadeira de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Braço-direito do presidente Jair Bolsonaro, o então ministro da Secretaria de Governo, Jorge Oliveira, também garantiu sua ida ao reduto dos políticos – ele acabou aprovado para a cadeira no Tribunal de Contas da União (TCU).
Ministros do STF, como Gilmar Mendes e Dias Toffoli, são frequentadores do local, assim como os presidentes da Câmara e do Senado, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, e boa parte dos senadores, entre eles os mais experientes da Casa, como os emedebistas Renan Calheiros, Fernando Bezerra e Eduardo Braga e o petista Jaques Wagner. Cacique do PSD, Gilberto Kassab também é visita ilustre.
O comando da cozinha é tocado pelo marido da senadora, Moisés Gomes, e por ela própria, que passou a rebuscar seus dotes culinários durante a pandemia. “A gastronomia atrai e suaviza os temas mais complexos. Todo mundo trabalha muito, corre muito, é muita tensão o dia inteiro. No final do dia, está todo mundo explodindo”, afirma a famosa anfitriã.
“Imagina uma reunião à noite sem nada, na água e no café preto? As pessoas nem raciocinam. Tem que ter uma comidinha, um cheirinho vindo da cozinha para amenizar a prosa. Se não, ninguém aguenta. Quando toma um golinho de vinho, parece que já deu uma desestressada. Aí começa a alegrar de novo, parece que seu pique volta, começa a conversar, a soltar suas ideias, num horário que já tá todo mundo com o pote cheio”, brinca a senadora.
Questionada sobre quais os principais temas das reuniões, a parlamentar afirma que as conversas são mantidas a sete-chaves. “Os encontros sempre foram um sucesso porque não vazam. O objetivo não é fazer política na imprensa, é conversar. Conversar entre os poderes, com políticos de todos os partidos, sempre trocando ideias. E eu lhe garanto: em nenhuma oportunidade é contra o personagem ‘a’, ‘b’ ou ‘c’. As discussões são para destravar o país. A lógica é que se o país vai mal, não vai só mal o presidente, vão mal o Congresso, a população, todo mundo”, diz.
A reportagem apurou que neste mês de dezembro o assunto dominante das rodas de conversa foi a sucessão ao comando da Câmara e do Senado. À mesa, contabilidade de votos e tratativas de apoios são feitas entre garfadas e goles no vinho. Há também espaço para desabafos. Kassab recentemente disse se sentir perseguido pelo DEM. Segundo relatos de senadores que acompanharam a conversa, o chefe do PSD está incomodado com as articulações para eleger Rodrigo Pacheco ao comando do Senado e, assim, cacifá-lo para disputar o governo de Minas Gerais em 2022. Os planos de Kassab incluem lançar ao posto o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD), e a investida prévia do partido de ACM Neto já causa incômodo.
Mas nem só de intrigas se dão os encontros – o objetivo, falam, é justamente o contrário. Foi na casa da senadora, por exemplo, que Davi Alcolumbre foi convencido a não ceder a pressões para dar andamento a temas que provocariam abalos institucionais, como a CPI da Lava-Toga, que investigaria ministros do STF, e um eventual processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Ainda quando Alcolumbre era tido como um adversário – a própria senadora Kátia Abreu fez campanha contra ele, assim como os principais emedebistas -, o democrata foi convidado pela famosa anfitriã para ouvir que, apesar de oposição, o grupo político lhe daria sustentação para resistir àquelas pautas. O presidente do Senado, de fato, jamais deu andamento aos temas. Além disso, abriu a porta ao diálogo para compor com novos aliados e encerrou o seu mandato com a popularidade em alta entre os senadores.
De antiga adversária, Kátia Abreu hoje é fiel aliada de Alcolumbre. Conhece, inclusive, o seu paladar. O senador tem mantido distância de comidas mais pesadas, e, por isso, uma saladinha com omelete estão sempre à disposição para as visitas. A anfitriã estende o conhecimento para todos os visitantes: Rodrigo Maia e o senador Antônio Anastasia (PSD), por exemplo, não são muito fãs de peixe. Não há nenhum vegano entre os visitantes da senadora, que é uma das grandes líderes da bancada ruralista.