Na primeira semana após as eleições do ano passado, a pauta do tradicional almoço no gabinete do senador Tasso Jereissati foi o resultado vexatório do PSDB nas urnas. O partido registrou o seu pior desempenho numa disputa presidencial, com o quarto lugar do ex-governador Geraldo Alckmin, e viu sua bancada na Câmara ser reduzida quase à metade. Em meio ao convescote, Aécio Neves — que acabara de ser eleito deputado federal e cujo mandato de senador estava prestes a terminar — entrou na sala. “Está aí o homem que provocou a ventania e escapou da tempestade”, anunciou Cássio Cunha Lima, externando a contrariedade que reinava no ninho tucano. A saudação era compreensível. Ao ser flagrado tentando achacar o empresário Joesley Batista em 2 milhões de reais, Aécio jogou o partido dentro de uma tempestade. Ao vencer a eleição para a Câmara, até se livrou da tormenta, mas esta foi decisiva para o fracasso eleitoral de diversos tucanos, entre eles Cunha Lima, que não conseguiu renovar o mandato para o Senado. Para os comensais presentes ao gabinete de Tasso Jereissati, não havia dúvida: Aécio Neves era o responsável pela derrocada do PSDB.
Com esse diagnóstico confirmado por pesquisas encomendadas pelo partido, grão-tucanos passaram a defender uma punição ao correligionário ilustre. O problema é como fazê-lo. Deputado, senador, governador de Minas e segundo colocado na sucessão presidencial de 2014, quando recebeu 51 milhões de votos, Aécio não é um quadro qualquer. Ele personificava a esperança do PSDB de voltar ao poder até ser atingido por denúncias de corrupção. Desde então, diminuiu de tamanho politicamente, trocou a condição de trunfo pela de estorvo e começou a enfrentar constrangimentos judiciais. Eleito deputado federal com pouco mais de 106 000 votos em 2018, Aécio é alvo de oito processos e, no início do mês, a Justiça Federal de São Paulo o tornou réu, justamente por causa da tentativa de achaque a Joesley. Diante de tal prontuário no Judiciário, amigos o aconselharam a tirar uma licença do PSDB para defender-se das acusações. Ele rechaçou a proposta, sob a alegação de que isso representaria um atestado de culpa e decretaria o fim de sua carreira política. Tal posição desagradou a caciques tucanos, que resolveram fechar ainda mais o cerco sobre ele.
Cotado para disputar a Presidência em 2022, o governador paulista João Doria defendeu publicamente uma “saída espontânea” de seu colega de legenda. Já o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, aumentou o tom e deu um ultimato. “Ou eu ou Aécio Neves no partido”, afirmou Covas, que pretende disputar a reeleição no ano que vem. As duas declarações não foram à toa. Na última corrida presidencial, o Estado de São Paulo, governado pelo PSDB há 25 anos, entregou apenas 2 milhões de votos a Alckmin, que terminou atrás dos candidatos Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e Ciro Gomes. Os tucanos temem a repetição desse resultado nas próximas eleições. A saída de Aécio do partido seria uma forma de impedir a reedição da ventania. O descontentamento também é crescente na bancada do PSDB na Câmara. Como se fosse representante do baixo clero, Aécio Neves tem uma atuação discreta. Em um gesto raro, discursou durante a votação da reforma da Previdência, elogiando a proposta e a atuação do presidente da Casa, Rodrigo Maia. Como resposta, recebeu alguns poucos aplausos.
Antes expoente no Congresso, Aécio costuma atuar mais nos bastidores e serve como uma espécie de consultor em temas sensíveis, já que conhece como poucos o regimento interno e os meandros do poder. Mas nem sempre é bem-vindo. “Como o Aécio vai participar dos debates quando formos discutir as medidas de combate à corrupção e a prisão após segunda instância? Esses são temas sobre os quais a bancada vai se debruçar, e a participação dele fica desconfortável”, afirma um dos principais líderes da legenda. Aécio não tem cargo de liderança e é titular de apenas uma comissão: a de Relações Exteriores. Como o deputado não desata o nó por conta própria, diretórios regionais do partido ameaçam pedir a sua expulsão se ele insistir em continuar filiado à legenda. O caso pode chegar à Executiva nacional e ser decidido pelo Conselho de Ética.
Amigos de Aécio dizem que sua disposição, por enquanto, é de resistir. Ele se mostra contrariado com o fato de ser o único integrante do PSDB fustigado, em razão de denúncias de corrupção, pela cúpula partidária. Os ex-governadores Beto Richa (Paraná) e Marconi Perillo (Goiás) chegaram a ser presos no ano passado, mas continuam filiados à sigla. Outros tucanos importantes, como o senador José Serra e o ex-senador Aloysio Nunes, também estão na mira da Lava-Jato e não sofrem nenhum tipo de admoestação. Um dos amigos mais próximos de Aécio questiona essa incoerência e as consequências políticas e eleitorais da fritura do ex-todo-poderoso do partido. “Ninguém quer ser tratado dessa maneira. Vamos perder apoios para posar de pedestal da moralidade? Esse não é um campeonato de puritanismo.” O problema é que, em público, quase não há voz que se levante em defesa de Aécio. A exceção até aqui foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que tem muito prestígio e pouco poder dentro do PSDB. Procurado, Aécio não quis se manifestar.
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Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644