Em seu terceiro mandato, o deputado federal Elmar Nascimento (União-BA) passa, há 10 anos, toda celebração de Ano-Novo na casa de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados. Por sua vez, os carnavais de Lira são comemorados com o baiano, e sempre com a presença dos respectivos familiares. A dupla inseparável faz pelo menos seis viagens por ano, conversa todos os dias, define a agenda legislativa e, a depender do humor com o governo de turno, encaminha um pacote de maldades ou de bondades que será levado adiante.
Tamanha proximidade foi decisiva para a primeira rusga entre o presidente da Câmara e o governo Lula. Ainda durante a transição, Lula convidou Nascimento para assumir o disputado Ministério da Integração. À época, o presidente repetia o mantra de que vivia uma nova fase e que estava disposto a abrir uma frente multipartidária, de modo a dar abrigo inclusive aos adversários. Na campanha de 2022, o deputado baiano havia apoiado Jair Bolsonaro e chamado Lula, entre outros impropérios, de corrupto e ex-presidiário. Eram águas passadas, dizia o petista, que reforçava que aprendeu na cadeia o poder do perdão.
Dias depois, e sem nenhuma explicação, a pasta prometida a Elmar Nascimento acabou entregue ao ex-governador do Amapá Waldez Goés, aliado de primeira hora do senador Davi Alcolumbre (União-AP). A rejeição, creditada ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, de quem Elmar é adversário, nunca foi perdoada. Para piorar, o filho do senador Renan Calheiros (MDB-AL), de quem Lira é um inimigo notório, ganhou o Ministério dos Transportes. Como mostrou VEJA, a reação era esperada: “Eu conheço o Arthur. Se o arqui-inimigo dele no estado tem um ministério, se não der dois para ele não tem nem conversa”, cantou a bola um aliado de Lira, ainda em fevereiro.
Na última semana, a crise entre Lira e o governo Lula atingiu seu ápice, e o presidente da Câmara promete, como disse a aliados, “machucar” ainda mais nos próximos dias. Sabendo do recado, o governo avalia promover uma reforma ministerial. Na quarta-feira, 31, Lula chamou Elmar Nascimento para uma conversa e propôs que ele, que é líder do União Brasil, coordenasse a redistribuição de ministérios do partido. O União ocupa três cadeiras na Esplanada, mas, desde o início do ano, Elmar reclama que nenhuma das pastas foi indicada por ele ou por deputados.
O entorno de Elmar Nascimento defende que ele próprio assuma um ministério. O nome é lembrado, por exemplo, para a articulação política, visto que o atual ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, é alvo de duras críticas no Parlamento. O baiano, no entanto, nega a intenção de assumir a pasta.
Enquanto isso, Nascimento é cacifado para participar de importantes encontros com deputados, ministros e figurões do PIB. Na reta final sobre as negociações do arcabouço fiscal, por exemplo, ele ajudou a organizar uma reunião para que o projeto fosse apresentado a empresários como Benjamin Steinbruch, da CSN, e Rubens Ometto, da Cosan. Também participou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas o criticado articulador político, Alexandre Padilha, não estava lá.
A portas fechadas, o deputado fez um discurso quase de quem domina a Câmara e prometeu que, mesmo em meio a turbulências com o governo Lula e eventuais derrotas que seu grupo poderia impor, a agenda econômica estaria blindada. Os endinheirados gostaram do que ouviram. Ao mesmo tempo, em meio à resistência do partido de Lula, enviou o recado ao Planalto de que o Centrão exigia que o PT votasse em peso pelo novo marco fiscal – o que acabou se confirmando.
Elmar Nascimento também assume outras missões. Em um jogo com Lira, que resistia a deixar suas digitais na CPI Mista do 8 de janeiro ao mesmo tempo em que queria ingerência na comissão, foi indicado Arthur Maia (União-BA) para o comando do colegiado, um fiel escudeiro de Elmar. Além disso, ele também empreendeu esforços para que ficasse sob o seu partido a relatoria da medida provisória que trata do Minha Casa, Minha Vida, e já barrou a iniciativa do governo de embutir um “jabuti” no texto que acabava com o saque aniversário do FGTS.
Mas nem todas as atribuições dão certo. Nos últimos dias, ele tentou, ao lado do senador Davi Alcolumbre, uma bandeira branca entre Arthur Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aliados dos presidentes das Casas afirmam que a relação dos dois, que mal conversam desde o início do ano, melhorou, mas está longe de ser amigável.
O deputado baiano também é conhecido por seu corporativismo dentro da Câmara. No ano passado, quando o Supremo Tribunal Federal se preparava para julgar a ação que levaria ao fim do chamado orçamento secreto, ele chegou a ameaçar barrar o aumento do salário dos ministros caso a ação andasse. Era bravata. O modelo acabou declarado inconstitucional pela Corte, mas Elmar, como relator da PEC da Transição, que ampliou o espaço fiscal para abrigar as promessas de Lula, garantiu o remanejamento de 20 bilhões de reais para os parlamentares, de modo que eles não perdessem a ingerência sobre o Orçamento federal.
Além disso, Elmar conseguiu, mesmo no governo Lula, manter sob seu domínio a Codevasf, reduto do Centrão pelo qual foi escoada uma relevante fatia do orçamento secreto e que é alvo de investigações da Polícia Federal sob a suspeita de desvio público. O comando da estatal foi conquistado durante o governo de Jair Bolsonaro, quando o ex-capitão tentava formar uma base aliada, e no entorno de Lula todos diziam que ninguém mexeria na indicação de Elmar.
A ingerência na Codevasf, na prática, garante também a Elmar uma influência direta sobre os deputados, que precisam da liberação de seus recursos em obras nos estados. A influência é vista como mais um passo para o deputado baiano se cacifar para seu próximo objetivo: ser eleito presidente da Câmara dos Deputados em 2025. Hoje, ninguém nega que ele é um dos nomes preferidos por Arthur Lira para assumir o posto.