A expectativa em torno do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo Supremo Tribunal Federal na próxima quarta-feira elevou a pressão a que a Corte já estava submetida desde que o seu veredicto sobre o caso passou a ser a única alternativa que resta ao petista para evitar a prisão.
A simples definição do destino político de Lula – favorito, segundo as pesquisas, na eleição presidencial deste ano – já foi o bastante para potencializar o conhecido enfrentamento virtual nas redes sociais entre aqueles que militam a favor do petista e os que lhe fazem oposição.
Na reta final para o julgamento, essa medição de forças vai ganhar as ruas, com atos marcados por entidades tradicionalmente ligadas ao petista, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores), o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e o MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), e outras que lhe fazem oposição desde o impeachment de Dilma Rousseff, como o Movimento Brasil Livre (MBL) e o Vem pra Rua.
O PT começou sua mobilização nesta segunda-feira, em um evento no Circo Voador, no Rio de Janeiro, com a presença do próprio Lula e de aliados históricos, como o cantor Chico Buarque e a deputada estadual Manuela D’Ávila, pré-candidata à Presidência da República pelo PCdoB. Para esta terça-feira, 3, o partido convocou uma vigília em Brasília, na Esplanada dos Ministérios. Para a quarta-feira, dia do julgamento, o PT convoca os militantes para atos em todo o Brasil.
Já o MBL espera protestos em 71 cidades para pedir que o Supremo negue o o habeas corpus do petista e permita a sua prisão imediata – Lula foi condenado em segunda instância por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Operação Lava Jato. Já o Vem pra Rua anuncia atos em uma centena de municípios do país e do exterior — Boston (EUA), Londres (Inglaterra), Roma (Itália) e Santiago (Chile).
Nesse contexto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, fez um pronunciamento nesta segunda-feira para afirmar que o país vive “tempos de intolerância e de intransigência contra pessoas e instituições”. Na fala, exibida pela TV Justiça, a ministra fez um apelo por “serenidade” e respeito às “opiniões diferentes”, mas não mencionou o julgamento do recurso de Lula.
Segunda instância
Só a polêmica em torno do petista já seria suficiente para jogar pressão sobre o STF, mas o caso ganhou uma dimensão ainda maior porque pode representar o fim da prisão em segunda instância, que é autorizada pela Corte desde fevereiro de 2016, mas que está em vias de ser revista, já que a maioria do tribunal mudou. O habeas corpus de Lula pode ser o instrumento que vai precipitar a reviravolta no Supremo.
A possibilidade também mobilizou dois grupos distintos. Um deles é formado por advogados que veem na prisão em segunda instância uma afronta à Constituição, que prevê que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. Por trás da tese está a defesa de centenas de presos – boa parte deles políticos – que podem deixar a prisão caso o STF reveja sua posição.
Também pedem que se aplique o que prevê o Código de Processo Penal em seu artigo 283: ninguém poderá ser preso a não ser em flagrante, ou por ordem judicial em decorrência do trânsito em julgado ou durante a investigação, em virtude de prisão temporária ou preventiva. Esse grupo apresentou ao STF um documento com cerca de 3.300 assinaturas pedindo o fim da prisão em segunda instância.
Em um movimento de pressão extra ao Supremo, a defesa de Lula entregou um parecer do constitucionalista José Afonso da Silva, um dos juristas mais citados em decisões da Corte. O documento segue a mesma linha do manifesto contrário à prisão em segunda instância e reafirma que o entendimento adotado pelo tribunal viola a presunção de inocência e vai na contramão do que prescreve a Constituição.
Já o outro grupo, em sua maioria formado por juízes, procuradores e promotores de Justiça, alega que o fim da prisão em segunda instância vai dificultar o combate à corrupção — e, por extensão, ferir de morte a Lava Jato — e favorecer a impunidade, principalmente de poderosos, que são, na avaliação deles, quem têm condições de levar seus casos até a última instância. Esse grupo entregou ao STF, também nesta terça-feira, cerca de 5.100 assinaturas pedindo para que o entendimento atual seja mantido.
Para esse grupo, a presunção de inocência é relativa. De acordo com o promotor Renato Varalda, de Brasília, o movimento não é feito em função do caso de Lula, mas pelo que pode ocorrer no julgamento de seu habeas corpus. Segundos os membros do Ministério Público, preocupação é, com efeito “cascata” de eventual decisão que impeça a prisão em segunda instância.
Jejum
O coro desse grupo é engrossado pelo procurador da República Deltan Dallagnol, que coordena as ações da Lava Jato em Curitiba, onde Lula foi condenado. Evangélico, ele anunciou, pelo Twitter, que estará de jejum e em oração no dia do julgamento para que os ministros mantenham o entendimento em vigor. O post foi retuitado mais de 2,5 mil vezes e ganhou mais de 8.000 curtidas.
De quebra, a empreitada de Dallagnol teve o apoio do juiz Marcelo Bretas, responsável por julgar as ações da Lava Jato no Rio de Janeiro. “Caro irmão em Cristo, como cidadão brasileiro e temente a Deus, acompanhá-lo-ei em oração, em favor do nosso país e do nosso povo”, escreveu o magistrado, também no microblog.
Nesta segunda-feira, a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, em razão do aumento dos movimentos de pressão contra a Corte, reuniu-se com o diretor-geral da Polícia Federal para discutir um reforço na segurança durante o julgamento. A PF deve coordenar esforços em conjunto com a Secretaria de Segurança do Distrito Federal para monitorar a movimentação de manifestantes nas vias próximas. A segurança do próprio tribunal, bem como de toda a Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes, continua a ser atribuição da Polícia Militar.