Era o dia 22 de maio quando o ministro da Agricultura Carlos Fávaro reuniu em um jantar em Brasília três integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) para, com as devidas mesuras, discutir o enrosco do marco temporal, tese que estabelecia a data da promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988, para se definir se indígenas têm ou não direito a terras atualmente ocupadas por não indígenas. Àquela altura, o julgamento que o STF promoveria sobre o tema estava nas mãos do ministro Alexandre de Moraes que, presente ao jantar, havia pedido ainda em 2021 que o caso fosse discutido abertamente no Plenário físico do tribunal.
A principal preocupação de Fávaro era sondar com o decano Gilmar Mendes, o ministro André Mendonça e com o próprio Moraes uma eventual alternativa caso o Supremo derrubasse o marco temporal. De acordo com interlocutores presentes ao encontro, um dos magistrados aventou a hipótese de uma proposta de emenda à Constituição conseguir “legalizar” a tese do marco temporal.
Duas semanas depois, Alexandre de Moraes votou contra o marco, mesma posição que mais tarde seria adotada por Mendes. André Mendonça foi favorável à adoção da interpretação favorável aos agricultores, mas ao final o tribunal decidiu, por nove votos a dois, que a data da Constituição não pode servir de baliza para se delimitar a ocupação de terras por comunidades indígenas.
Passado o julgamento, hoje ministros do STF colocam em xeque a hipótese de que uma emenda à Constituição resolveria o caso e dizem que, se ela for levada adiante, possivelmente será declarada inconstitucional. Isso porque, quando o STF barrou o marco temporal, parte da decisão tocou nas chamadas cláusulas pétreas constitucionais, que não podem ser alteradas nem mesmo por uma PEC.
É cláusula pétrea, por exemplo, os direitos e garantias individuais, tema que permeou o voto da ministra Cármen Lúcia, que, entre outros pontos, disse que a posse da terra não pode ser desmembrada dos outros direitos fundamentais garantidos aos indígenas. Na contenda sobre o tema, parlamentares aprovaram um projeto de lei sobre o marco temporal, mas o presidente Lula vetou grande parte do texto nesta sexta-feira, 20.
Em mais um capítulo de um cabo de guerra que reflete em boa parte o empoderamento do Congresso, tema de reportagem da edição de VEJA que chega neste fim de semana às bancas e plataformas digitais, 27 senadores de oposição apresentaram uma PEC para ressuscitar a tese do marco temporal.
Eles alegam que “ao definir um marco temporal, respeitamos a necessidade de proteger os direitos históricos das comunidades indígenas, ao mesmo tempo em que consideramos a importância de garantir a estabilidade das relações sociais, econômicas e territoriais em nosso país”, mas sabem desde já que, qualquer que seja o teor da discussão, o caso invariavelmente será levado mais uma vez às portas do STF.