Em meio a uma rodada de insultos durante a CPI da Covid-19 no Senado, veio à baila o nome do pastor carioca Silas Malafaia, 62 anos, liderança evangélica conhecida por fincar com fervor os pés na política. Falava-se sobre o gabinete paralelo criado para auxiliar o governo na gestão da pandemia, durante mais uma acalorada sessão, quando o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) interrompeu: “Se querem saber quem dá conselhos ao presidente da República, chamem o pastor Silas Malafaia. Ele conversa quase diariamente com o presidente e o influencia”, disse o primogênito do clã, tentando fazer colar a ideia de que a ida do amigo do pai ao plenário seria de grande valia. A estratégia era pôr sob os holofotes da CPI um aliado acostumado ao palco e com amplo alcance sobre o eleitorado evangélico. Os senadores declinaram, mas a duradoura amizade entre pastor e presidente, um elo que interessa a ambos, ficou exposta em rede nacional.
Com trânsito livre no gabinete presidencial, Malafaia é visto no Planalto como peça valiosa para fisgar o voto evangélico no pleito de 2022. Ele está à frente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, com setenta filiais em dez estados, preside o Conselho de Ministros Evangélicos do Brasil (Cimeb), que congrega milhares de pastores de variadas denominações, tem programa na TV e um rebanho digital de 8,5 milhões de seguidores. Sua pregação conservadora, que condena o aborto e o que vê como aumento de privilégios dos homossexuais, soa como música a ouvidos bolsonaristas, assim como o apoio explícito ao governo: nos últimos vinte vídeos que soltou nas redes, enalteceu o amigo-presidente em dezesseis.
Na sexta-feira 11, a propósito do almoço de Lula com Eduardo Paes, disparou no Twitter um aviso ao prefeito do Rio, em letras garrafais: “Pense bem na escolha que vai fazer. ESTAMOS ATENTOS!”. Uma semana depois, em festiva celebração dos 110 anos da Assembleia de Deus no Brasil, em Belém, tinha Bolsonaro como convidado especial. Desde 2020, em pelo menos seis ocasiões Malafaia esteve no Palácio do Planalto levando colegas das principais correntes neopentecostais. Tratam ora da abertura dos templos na pandemia, ora da nomeação de um ministro “terrivelmente evangélico” no STF — e tudo termina em rodas de orações no saguão, onde o presidente é filmado por assessores recebendo a bênção, cena sob medida para viralizar entre fiéis.
Esses encontros são marcados sem intermediários, em telefonemas ou nas mensagens praticamente diárias de WhatsApp entre os dois. Política é o tema preferencial — e a CPI da Covid tem merecido atenção. Animados, celebraram o depoimento de Mayra Pinheiro, secretária do Ministério da Saúde conhecida como Capitã Cloroquina. Já o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, que não faz parte da comissão, mas atua nos bastidores, foi alvo de uma estocada do pastor, que escreveu: “Presidente, cadê o seu líder do governo que deveria estar sentado com a bunda na CPI o tempo inteiro?”. Recentemente, Malafaia aconselhou o amigo a conter os palavrões em suas lives semanais, “para não espantar o público evangélico”. Afeito a milagres por ofício, ele até pediu ao presidente para deixar as diferenças com o vice Hamilton Mourão de lado e repetir, em 2022, a dobradinha de 2018. “Em todos os meus questionamentos, o Bolsonaro cala a boca. Ele só escuta. É inteligente”, disse Malafaia a VEJA.
Foi a pauta conservadora em torno dos costumes que uniu, há quase duas décadas, o então deputado federal e o pastor, que já fazia sucesso na TV. A relação estreitou-se em 2013, quando Malafaia celebrou o terceiro casamento do católico Bolsonaro com a atual primeira-dama, Michelle, que frequentava a Vitória em Cristo havia quatro anos. Atento à fatia do eleitorado que se declara evangélica (hoje na casa dos 30% da população), o político passou a participar de cultos e sabatinas nos grupos de jovens da igreja, conquistando a confiança do pastor. “Malafaia foi um dos primeiros líderes carismáticos a assumir publicamente uma postura conservadora e de direita, o que lhe deu mais visibilidade do que tem religiosos de igrejas maiores que a dele”, avalia Cleonardo Junior, autor de uma tese sobre a Vitória em Cristo. Em 2016, chegou a romper com Bolsonaro, porque ele não o apoiou no episódio em que foi indiciado por suspeita de lavagem de dinheiro. Voltaram às boas em 2018.
O pastor não se queixa, ao menos publicamente, do tratamento que lhe dedicam em Brasília. A convite do próprio presidente, emplacou um genro, professor de educação física especializado em fisiologia, no Conselho Nacional de Educação. Também irradia poder em todas as esferas do Legislativo, onde conta com parlamentares forjados no púlpito, como o deputado federal Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), o deputado estadual Samuel Malafaia (DEM-RJ), seu irmão, e o vereador Alexandre Isquierdo (DEM-RJ). “Malafaia nos dá autonomia no mandato, mas sempre repete: ‘Não vacila comigo’”, diz Isquierdo, que obedece. É rebanho que vale ouro numa eleição.
Publicado em VEJA de 23 de junho de 2021, edição nº 2743