Em sua primeira viagem como ministro da Saúde, Nelson Teich se tornou um pouco mais popular. Viralizaram nas redes sociais imagens dele se enrolando ao tentar colocar a máscara de proteção antes de entrar em um hospital de campanha em Manaus — cidade-símbolo do colapso no sistema estatal de saúde provocado pelo coronavírus. Os gestos atrapalhados não deixam de ser uma alegoria das primeiras semanas do médico, que fez carreira na área privada e agora está à frente da pasta responsável por frear a escalada de uma doença que já deixou mais de 8 000 mortos no país. Em pouco mais de vinte dias, ele acumula críticas, como a demora na entrega de artigos emergenciais, a falta de interlocução com governos estaduais e municipais, que detêm 98% dos leitos públicos, e a ausência de um plano de testagem em massa previsto por ele na posse, em 17 de abril. Após dois dias de visita à capital do Amazonas, Teich anunciou o fornecimento imediato de itens de proteção aos profissionais de saúde. Eles têm adoecido em ritmo acelerado e desfalcado a frente de atendimento numa cidade que inaugurou na pandemia a triste prática de enterrar mortos em vala comum por falta de espaço. “Veio muito pouco material, vou ter de cobrá-los novamente”, lamentou o prefeito Arthur Virgílio (PSDB), crítico contumaz da passividade do ministro diante da demora do governo federal em responder aos pedidos de ajuda.
Causou estranheza a decisão da comitiva de ir embora de Manaus sem passar pelo maior hospital público do estado, o 28 de Agosto, onde funcionários ameaçavam greve diante dos salários atrasados e da falta de equipamentos de proteção. Em vez disso, o ministro foi à sede do Comando Militar da Amazônia, que era chefiado pelo general Eduardo Pazuello até cerca de duas semanas atrás, quando ele foi alçado ao posto de secretário executivo do Ministério da Saúde, o número 2 da pasta. Com fama de “descascador de abacaxis” por causa de seu senso de organização, Pazuello esteve à frente de outras emergências nacionais, como a operação de acolhida de imigrantes venezuelanos.
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Clique e AssineNa prática, porém, o general tem atuado como o número 1 da pasta, requisitado muitas vezes por Teich em momentos de tomada de decisão. Na quarta 6, o ministro chegou a pedir a presença do general em uma reunião com secretários estaduais quando foi questionado sobre o plano para aumentar o número de testes. Foi de Pazuello o veto ao uso por servidores do “colete do Mandetta”, a vestimenta azul com o emblema do Sistema Único de Saúde (SUS) que o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta e seus auxiliares vestiam nas entrevistas diárias. O estilo militar impôs uma nova dinâmica de concentrar as decisões, o que dificulta a interlocução com estados e municípios, em contraposição ao estilo de Mandetta, que delegou boa parte das diretrizes técnicas à Secretaria Executiva, então comandada por João Gabbardo dos Reis, homem de sua confiança. Agora, na era Pazuello, a previsão é que sejam nomeados mais de dez militares para ocupar cargos gerenciais no órgão, outro motivo de preocupação para os servidores.
O avanço militar na pasta é retrato da marcação cerrada que o governo impõe ao novo titular após as trombadas com o estilo independente de Mandetta. Pazuello chegou ao posto por interferência direta do gabinete presidencial, com o aval de Jair Bolsonaro e de palacianos influentes como o general Augusto Heleno. Outro indício de que Teich tem tido pouco espaço para manobras individuais são as reuniões diárias feitas no Palácio do Planalto, onde também são organizadas as teleconferências com governadores, em rotina diferente da exercida pelo antecessor, que recebia os interlocutores no ministério. A tutela ficou explícita logo na nomeação, quando Bolsonaro deixou claro que a sua prioridade seria apontar o caminho de saída da política de isolamento social, razão principal dos atritos com Mandetta. É mais um problema para Teich, que tem sido reticente em apoiar a flexibilização da quarentena. Nas conversas internas, vem argumentando que a tendência de alta no número de infectados dificulta a retomada das atividades não essenciais. Segundo ele, isso só seria possível com o aumento da testagem em todo o país, o que não tem previsão para ocorrer diante da dificuldade em comprar os kits de fornecedores internacionais, o mesmo problema enfrentado para abastecer os estados com respiradores — dos 2 000 kits de UTI prometidos no início da pandemia, só 540 foram entregues. O apego aos traquejos de gestor privado de saúde, que toma decisões apenas amparadas em dados e planilhas, e a falta de intimidade com a complexidade da máquina pública têm sido os principais ingredientes das críticas a Teich. “Qual dado é mais importante que o número de mortos no país?”, questiona Alberto Beltrame, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). As projeções mostram que os casos de contaminação e de morte vão subir muito nas próximas semanas, principalmente em estados mais pobres, justamente os que dependem de ações do ministério. Embora Teich esteja há pouco tempo no cargo, seu começo enrolado preocupa diante da urgência do problema.
Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686