Black Friday: Revista em casa a partir de 8,90/semana
Continua após publicidade

“Noivo” errado de Bolsonaro, Mourão se aproxima de Guedes e empresariado

Após submergir, vice defende agenda econômica do ministro em palestras."Mais preparado" e "mais estudioso" que o presidente são algumas das impressões

Por João Pedroso de Campos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h04 - Publicado em 22 nov 2019, 06h00
  • Seguir materia Seguindo materia
  • Não é de hoje que Jair Bolsonaro demonstra desconforto com Hamilton Mourão — sentimento compartilhado pela família presidencial e pelo núcleo duro de aliados do capitão. No início do governo, quando o vice falava pelos cotovelos, muitas vezes emitindo opiniões contrárias às do presidente em assuntos variados, da legalização do aborto à conveniência de mudar a embaixada brasileira de Israel para a cidade de Jerusalém (veja o quadro), Bolsonaro resolveu dar um tiro de advertência, recomendando a seu companheiro de chapa um comportamento mais discreto e um cuidado maior com as “distorções” da imprensa. No auge da crise, Mourão chegou a dizer que poderia renunciar, conforme noticiou VEJA em abril. Depois disso, porém, a poeira começou a baixar. Nos últimos sete meses, segundo a agenda pública do vice, a média de encontros com jornalistas, que era de um a cada três dias até abril, caiu para um a cada seis dias. Missão dada, missão cumprida, portanto, como convém a um general de quatro estrelas reformado que preza a hierarquia.

    A obediência não livrou Mourão de levar uma nova canelada do presidente (disparado, a mais humilhante de todas), quando Bolsonaro declarou que “casou errado” ao se referir à escolha do vice. A revelação foi feita no último dia 12, em um encontro com deputados do PSL no qual o presidente anunciou sua saída da legenda e a criação de um partido, o Aliança pelo Brasil. Segundo reportagem da jornalista Monica Bergamo, da Folha de S.Paulo, em frente aos parlamentares, o capitão disse que deveria ter escolhido o “príncipe” Luiz Philippe de Orleans e Bragança, hoje deputado federal pelo PSL e herdeiro da família imperial. Em um áudio enviado a apoiadores, Orleans e Bragança relatou que Bolsonaro atribuíra ao ex-ministro Gustavo Bebianno a elaboração de um dossiê contra ele e, com base nisso, o presidente desistira de tê-lo como companheiro de chapa. O tal dossiê teria fotos do “príncipe” em uma “suruba gay”, além de relatos de agressão a moradores de rua (leia a reportagem). Bebianno negou a história, Bolsonaro se calou e Mourão pôs a culpa da confusão na imprensa. A única certeza na história é que Orleans e Bragança foi mesmo trocado por Mourão em cima da hora do registro da chapa no TSE por ordem de Bolsonaro.

    visita-mourao
    NEGÓCIOS – Em visita recente à fábrica da Helibras, em Minas: “mais preparado” e “mais estudioso” (BRUNO BATISTA/.)

    Enquanto o presidente reclama em público do vice, Mourão segue uma agenda própria. No lugar de entrevistas a jornalistas, vem priorizando encontros em ambientes empresariais. As participações em fóruns e palestras passaram de uma a cada 24 dias, nos primeiros quatro meses do ano, para uma a cada onze dias, desde maio. Nos eventos, o vice segue um roteiro-padrão: primeiro aborda a geopolítica mundial, com menção às tensões entre Estados Unidos, China e Rússia, até enveredar por uma análise dos problemas político-econômicos da América Latina. Por fim, passa a discursar sobre o Brasil, falando do que o governo tem feito e pretende fazer para reanimar a economia. A frase “tirar o peso do Estado sobre quem produz” é a deixa para a apresentação de slides em que Mourão defende a agenda econômica de Paulo Guedes, seu interlocutor frequente. As palestras foram combinadas com a equipe econômica. Munido de números e com uma desenvoltura inexistente em Bolsonaro, habituado desde a campanha a terceirizar qualquer explicação sobre o assunto ao “Posto Ipiranga”, o vice descreve o plano do governo como a união do equilíbrio fiscal, sustentado por reforma da Previdência, enxugamento da máquina pública, privatizações e desvinculação do Orçamento, à elevação da produtividade, baseada em concessões, desburocratização e desregulamentação. Em meio às tensões entre chineses e americanos, parceiros comerciais de primeira ordem do Brasil, e ao alinhamento do governo Bolsonaro com a Casa Branca de Donald Trump, Mourão defende “pragmatismo e flexibilidade”, com base na máxima de que “não existe amizade perpétua nem inimizade eterna”. O objetivo, diz, é “fazer do Brasil a mais vibrante e próspera democracia liberal ao sul do Equador”.

    Com frequência, o vice é aplaudido pela audiência, que não deixa de notar e fazer comparações com o capitão. “Mais preparado”, “mais estudioso”, “visão mais abrangente” e “diferença notória” foram algumas das observações de empresários no giro recente de Mourão por Bahia, Sergipe e Santa Catarina. O discurso do vice não brada contra o socialismo e a esquerda constantemente, mas não deixa de atacar o PT, e inclui apelos por diálogo. “O clima de fla-flu contamina o restante da sociedade, e as coisas são levadas ao último extremo, as redes sociais deram voz a todo mundo, qualquer um se exprime, não admite argumentar, o argumento é quase ‘vamos pra briga, vamos pro tapa’. Com isso, a gente perde a civilização”, disse Mourão a empresários na Fecomércio da Bahia, há duas semanas.

    Continua após a publicidade
    MICHEL-TEMER-DILMA-ROUSSEFF
    FIM DA LINHA –  Dilma e Temer: a relação terminou com acusações de traição (Bruno Domingos/Reuters)

    Embora o vice tenha reduzido a exposição na imprensa para agradar ao chefe (procurado por VEJA, recusou-se a dar entrevista sobre sua relação com o presidente), o fato de se colocar como farol de moderação em um governo cada vez mais à direita é visto com reserva por aliados de Bolsonaro. A turma fica ainda mais ressabiada com a agenda de encontros políticos de Mourão. Ele recebeu, em um intervalo de apenas 64 dias entre agosto e outubro, os governadores de Rio de Janeiro e São Paulo, Wilson Witzel (PSC) e João Doria (PSDB). Ambos são ex-aliados de Bolsonaro transformados em desafetos por não disfarçarem a intenção de concorrer ao Palácio do Planalto em 2022. “Mourão não está preocupado em ser vice-presidente do Bolsonaro, está preocupado em ser vice-presidente do país”, diz um amigo do general, ressaltando o verniz institucional, que inclui ainda agendas com políticos de partidos de oposição, como o PT, e veículos de imprensa considerados “inimigos” pelo presidente, como o jornal Folha de S.Paulo e a Rede Globo. Diante de um relacionamento tão esgarçado com Bolsonaro, pessoas próximas a Mourão reconhecem que não dá para ter otimismo com o futuro. “A solução para o país seria Mourão como ministro da Casa Civil, para conduzir uma gestão integrada, enquanto o presidente se encarrega da agenda política, mas isso é inviável politicamente”, reconhece o general da reserva Maynard Marques de Santa Rosa, que há duas semanas pediu demissão da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.

    De Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, nos primórdios da República, ao racha entre Dilma Rousseff e Michel Temer, com direito a acusação de traição da petista contra o emedebista, não faltam na política do Brasil casos de relações conflituosas entre presidentes e seus vices. Muitas vezes isso ocorre porque eles acabam brigando para ocupar o mesmo espaço político. “Mourão foi escolhido na última hora e começou a dar palpites em uma Presidência que, aparentemente, não estava preparada para a vitória”, diz o historiador e professor de economia da FGV Luiz Felipe Alencastro. Considerando que Mourão está descartado da chapa de Bolsonaro em 2022, pessoas próximas ao vice já tentaram sondá-lo para planos políticos variados — de uma possível candidatura ao governo do Rio de Janeiro a um voo-solo para concorrer ao Palácio do Planalto. Mourão não deu sinal verde a nenhum desses projetos. A aliados, ele jura que, terminado o mandato, voltará sua energia para as partidas de vôlei de praia no Posto 6 de Copacabana. Segundo essas pessoas, Mourão leva em conta que estará perto dos 70 anos em 2022 e não tem, ao menos por enquanto, outras pretensões. Para um dos muitos ex­-aliados que o presidente deixou pelo caminho no primeiro ano de mandato, a atitude resignada de Mourão depois do início espetaculoso é o melhor que ele tem a fazer no momento, voando abaixo do radar dos bolsonaristas, uma vez que seus recados de moderação e suas credenciais de “preparado” já são conhecidos. Seria a melhor tática para um general interessado em esconder o jogo do seu futuro político — e tentar evitar outras caneladas do chefe.

    Continua após a publicidade

    Colaborou Felipe Carneiro

    arte-frases-iphone
    (./.)

    Publicado em VEJA de 27 de novembro de 2019, edição nº 2662

    Publicidade

    Publicidade

    Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

    Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

    Semana Black Friday

    A melhor notícia da Black Friday

    BLACK
    FRIDAY

    MELHOR
    OFERTA

    Digital Completo

    Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

    Apenas 5,99/mês*

    ou
    BLACK
    FRIDAY
    Impressa + Digital
    Impressa + Digital

    Receba 4 Revistas no mês e tenha toda semana uma nova edição na sua casa (a partir de R$ 8,90 por revista)

    a partir de 35,60/mês

    ou

    *Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
    *Pagamento único anual de R$71,88, equivalente a 5,99/mês.

    PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
    Fechar

    Não vá embora sem ler essa matéria!
    Assista um anúncio e leia grátis
    CLIQUE AQUI.