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Não é bem assim

O Datafolha mostra que o eleitor de Jair Bolsonaro não o acompanha na maioria de suas propostas fundamentais, incluindo meio ambiente e privatizações

Por Edoardo Ghirotto
Atualizado em 18 jan 2019, 07h00 - Publicado em 18 jan 2019, 07h00
(Arte/VEJA)

Jair Bolsonaro sagrou-se nas urnas defendendo um programa genérico que costuma ser resumido na fórmula “conservador nos costumes e liberal na economia”. Incluem-se aí o combate a uma suposta doutrinação ideológica nas escolas e a privatização de estatais. A maioria dos 57,7 milhões de brasileiros que votaram no presidente, porém, não o acompanha em muitas de suas posições. Uma pesquisa do Datafolha sobre treze temas fundamentais revela que em apenas cinco deles o eleitor abraça a posição do eleito: a proibição do aborto, a necessidade de controlar a imigração, o fim da educação sexual nas escolas, a disposição em alistar-se para defender o Brasil em uma hipotética guerra e a não interferência do governo quando há situações de desigualdade salarial entre homens e mulheres em empresas privadas. Em outros temas (veja alguns exemplos no quadro na pág. ao lado), há discordância. O eleitor do novo governo não acredita, por exemplo, que a política ambiental atrasa o desenvolvimento do país e não quer a redução de reservas indígenas. A pesquisa do Datafolha foi realizada com uma amostra de 2 077 eleitores, entre 18 e 19 de dezembro.

“O eleitor não precisa concordar com todas as propostas de governo de um candidato, mas valoriza tanto determinada característica que acaba optando por ele”, explica o diretor do Datafolha, Mauro Paulino. De acordo com o cientista político Hilton Cesário Fernandes, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o antipetismo foi essa característica determinante. “É comum o voto ser contra algum candidato ou algum partido. Já aconteceu em outras eleições”, diz. Nessa hipótese, o voto representa não tanto uma afirmação, mas uma negação: o eleitor teria encontrado em Bolsonaro o nome que com mais firmeza rejeitava o descontrole econômico e a corrupção do governo petista.

A ênfase de Bolsonaro no combate à criminalidade também terá tido seu peso, mas não se segue daí que o eleitor aprove integralmente a receita do presidente para a segurança. “Não tivemos uma discussão de agenda na campanha. E a adesão a certos temas acabou ficando mais restrita ao núcleo duro de eleitores do Bolsonaro”, diz o economista Maurício Moura, da consultoria Ideia Big Data. O Datafolha mapeou o que seria o “núcleo duro” de apoiadores: aqueles que concordam com o presidente em pelo menos nove dos treze temas. A conclusão: o grupo representa só 14% do total de eleitores. É um estrato constituído sobretudo de homens — eles compõem 68% dos bolsonaristas “duros”.

Os evangélicos, uma das principais frentes do eleitorado bolsonarista, não estão majoritariamente no núcleo duro. Na média, também concordam com apenas cinco temas: proibição do aborto, fim da educação sexual na escola, controle de imigração, disposição em defender o Brasil e concessão de ajuda do governo às mulheres que engravidam por motivos que permitem o aborto legal, como o estupro, e não desejam realizá-lo. O auxílio é uma das bandeiras defendidas pela ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves. A pesquisa também incluiu uma pergunta mais ampla sobre o aborto. Foi a única, aliás, que comportou mais opções de resposta — os demais itens se dividiam em “concordo” e “discordo” —, dando conta de várias possibilidades de legislação sobre o tema. Nesse ponto, os eleitores do novo governo não só concordaram com sua pauta básica, mas se mostraram até mais conservadores. Quando candidato, Bolsonaro afirmou que não pretendia mudar a lei vigente, que permite o aborto em casos de estupro, anencefalia e gestação em que a mãe corre risco. Pois 43% de seu eleitorado é a favor da proibição total. Os que concordam com a lei atual são 38%.

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O Datafolha mostra que eleitores de Bolsonaro e de seu adversário petista, Fernando Haddad, têm avaliações semelhantes, ainda que em gradações diferentes, em relação a onze dos treze temas. Só há dois pontos de discordância: quanto à educação sexual nas escolas (68% dos eleitores de Haddad são favoráveis; 54% dos eleitores de Bolsonaro são contra) e à convicção de que a desigualdade salarial entre os sexos é um problema só das empresas — ideia que recebe a chancela de apenas 35% dos eleitores de Haddad, ante 56% dos de Bolsonaro.

Um dos principais pontos de convergência é sobre a necessidade de tratar de matéria política na escola: 71% dos que votaram no candidato do PSL concordam com a afirmação, e 76% do eleitorado do PT também responde favoravelmente. Embora o Datafolha não tenha apurado que tipo de conteúdo político os eleitores aprovariam em sala de aula, há aqui um indício de rejeição à pauta, encampada por Bolsonaro, do movimento Escola sem Partido — que deseja extirpar a política da educação, para banir a “doutrinação”. A pesquisa sugere, portanto, que a origem da polarização a que o Brasil assistiu nas últimas eleições não está na divergência de ideias, mas na aversão aos indivíduos ou partidos que as defendem.

Publicado em VEJA de 23 de janeiro de 2019, edição nº 2618

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