Mudanças sobre o STF devem ser discutidas sem preconceito, diz Guimarães
Líder do governo Lula na Câmara defende o debate sobre a delimitação do papel de cada poder e sai em defesa de Arthur Lira
Em seu quinto mandato, o deputado federal José Guimarães (PT-CE), 64 anos, enfrenta o desafio de atuar como uma ponte do governo Lula com a Câmara, formada em sua maioria por parlamentares conservadores e de centro. Defensor do diálogo e de uma relação harmônica, Guimarães viu, nos últimos dias, o nível de tensão escalar diante da rusga entre o presidente da Casa, deputado Arthur Lira, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, a quem recaiu a pecha de “incompetente”.
Em meio ao fogo cruzado, Guimarães articula uma conversa para desanuviar o ambiente – da qual o presidente Lula também deve participar -, afirma que o ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário, errou ao demitir um primo do Arthur Lira da superintendência do Incra em Alagoas e faz até um aceno a mudanças nas regras relativas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e à definição das prerrogativas de cada poder. O posicionamento se dá após a Corte mandar prender o deputado Chiquinho Brazão, acusado de ser o mandante do assassinato da ex-vereadora Marielle Franco, e em meio a críticas sobre uma suposta interferência do Judiciário no Legislativo.
“Não se pode discutir isso com preconceito. Isso tem de ser discutido à luz do dia, com todo mundo, para ver o que é melhor para a democracia e para o funcionamento entre os três poderes, de forma harmônica e respeitosa”, afirma Guimarães. A entrevista foi concedida a VEJA na última quarta-feira, 17, no gabinete da liderança do governo. Confira a íntegra.
Nos últimos dias, houve um movimento do Congresso em reação ao Supremo Tribunal Federal, inclusive se falando em CPIs. O debate, antes restrito à oposição, está escalando? O mesmo respeito que o presidente Lula tem com o Parlamento, ele tem com o Supremo. Os três poderes precisam se relacionar harmonicamente, não pode ter guerra entre um e outro. O que se precisa discutir, e eu tenho em tese, é delimitar os papeis de cada um. As ações no Supremo: quais são o limite delas? Qual é o limite das decisões monocráticas dos ministros? Pode ou não prender deputado sem a devida autorização legislativa? Não estou nem entrando no mérito. Essas questões, para o bem da democracia, e por uma relação harmoniosa e civilizada, nós precisamos discutir.
Mas há um tabu em discutir esses temas? No Senado, as mudanças foram chamadas de uma agenda anti-Supremo. Aqui, os líderes querem rediscutir toda essa questão se um deputado pode ou não ser condenado em primeira instância, se é segunda ou se é terceira [instância]. [Também querem discutir] As prerrogativas, a questão do foro das autoridades. Não se pode discutir isso com preconceito. Isso tem de ser discutido à luz do dia, com todo mundo, para ver o que é melhor para a democracia e para o funcionamento entre os três poderes, de forma harmônica e respeitosa. Não pode ninguém querer punir um dos entes federados porque está insatisfeito ou porque recebeu isso e aquilo.
Bolsonaristas falam em algum tipo de anistia ao ex-presidente e aos envolvidos no 8 de janeiro, como um jeito de pacificar o país. Tem alguma chance de prosperar? Não. Não pode ter anistia para quem comete crime, para quem comete delito. E quem tem de dizer se o ex-presidente cometeu algum crime ou não é a Suprema Corte. Não sou eu que estou dizendo. É o que eu tenho visto nas condenações que estão correndo. Qualquer exagero que possa ter é infinitamente inferior frente ao paradeiro que foi dado com aqueles que tentaram um golpe.
Mas o senhor concorda que há exageros? Aí eu tenho que avaliar cada processo.
O que está acontecendo na articulação política? É absolutamente natural que numa relação democrática entre o Executivo e o Legislativo esses momentos de pico ocorram, porque nós não somos iguais, a Câmara tem uma composição majoritariamente conservadora que não foi a composição que foi vitoriosa no poder Executivo e nós temos de saber lidar com essa dinâmica. O dado é que, com todos esses picos da chamada crise, nós não deixamos de aprovar nada que o governo quis. Portanto, o saldo é muito superior aos problemas, às picuinhas, às coisas menores, às dificuldades de relação pessoal.
Como esses problemas afetam a sua atuação? O que prevaleceu na nossa ação na liderança do governo foi pensar aquilo que foi decisivo para a retomada do crescimento da economia brasileira. Parecia impossível, mas aprovamos tudo. E vamos agora em 2024 concluir os dois temas centrais. O primeiro é a regulamentação da reforma tributária. Esse feito tem de ser atribuído à comissão, ao governo, ao [Fernando] Haddad e ao presidente Lira. Todo mundo deu uma contribuição para que essa proposta fosse aprovada. A segunda votação importante é a do Perse, porque ela tem impacto econômico na vida do gerador de emprego e na vida do governo. É claro que no meio disso tem as disputas, teve a história do Chiquinho Brazão, que a Câmara se dividiu e nós fomos vitoriosos.
O senhor considera a manutenção da prisão do Brazão uma vitória do governo? Considero uma vitória da democracia e do combate ao crime organizado.
Mas a suposta ingerência do governo foi justamente um dos pontos de irritação do Arthur Lira. Teve gente que defendeu fortemente a revogação da prisão, e teve gente que defendeu a manutenção. Qual é a crise nisso? Esse plenário é democrático. Tem gente que sai chateado? Tem. Teve gente que saiu vitorioso? Teve. Mas isso não pode ser um elemento de crise, porque não é uma questão de governo. Eu vi vários líderes fortemente atuando: eu atuei fortemente para manter, o Elmar Nascimento atuou fortemente para soltar. Eu não vi dentro nenhuma ação do Arthur Lira para manter ou soltar. Eu não recebi nenhuma menção por parte do Arthur Lira porque o governo estava envolvido nisso.
Neste caso, a menção foi ao ministro Alexandre Padilha. Se teve ministro ‘a’ ou ministro ‘b’ que atuou, ou foi atribuído a ele, eu não vi. Eu atuei publicamente, e não fui criticado por conta disso. Não vi nenhuma ação do Padilha para tirar voto, virar voto, nada.
O senhor concordou com a demissão do primo do Arthur Lira? Está muito acirrado. Nós temos o Abril vermelho, do MST, a derrota que eles sofreram, estratégica, na semana passada, e temos as matérias de interesse do governo. E no meio disso aparece a história da demissão do primo do Arthur Lira. Foi um negócio descabido, na minha opinião. O ministro [Paulo Teixeira, do Desenvolvimento Agrário] não poderia fazer isso sem ser combinado. Isso é que atrapalha. Mas a partir disso, se espalha que tem uma crise. Eu conversei com o presidente Lula hoje [quarta-feira] por telefone. Ele vai conversar com o próprio Arthur Lira.
Qual balanço o senhor faz desses primeiros 15 meses de governo? O país que nós recebemos e o país desses 15 meses de governo é outro. Em todos os dados: exportações, saldo da balança comercial, queda do dólar, controle da inflação, lançamento do PAC, a renda, desemprego caindo. Quando nós assumimos, eu ouvia os agourentos dizendo que íamos crescer menos de 1% – crescemos quase 3%. Então a economia está se recuperando pelas ações do governo e pelo o que nós votamos aqui na Câmara. Por isso, eu não posso deixar de reconhecer o papel do Legislativo. Tudo o que aconteceu: as brigas, os problemas pessoais, as futricas são menores do que aquilo que nós fizemos, numa relação de respeito, civilizada, que quando diverge tem transparência. Ninguém dá golpe em ninguém aqui dentro.