Após confusão, Moro deixa audiência na Câmara aos gritos de ‘fujão’
Em sessão que durou oito horas, deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) disse que ministro será lembrado como um juiz 'corrompido' e 'corrupto'
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, deixou a audiência na Câmara dos Deputados aos gritos de “fujão” após confusão envolvendo o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ).
Glauber Braga afirmou, por volta das 21h30, que “a história não absolverá” Moro, que será lembrado “pelos livros de história como o juiz que se corrompeu, como um juiz ladrão”. Deputados aliados ao governo reagiram, aos gritos. Um dos mais exaltados, o Delegado Éder Mauro (PSD-PA) partiu para cima de Braga, mas foi separado pelo petista Paulo Teixeira (SP). A mesa da presidência da audiência foi cercada por alguns deputados que exigiam o encerramento da sessão.
O ministro do governo Bolsonaro foi escoltado por seguranças em sua saída da audiência, e a sabatina foi oficialmente encerrada por volta das 22h pela presidente da sessão, Marcivania Flexa (PCdoB-AP).
Como foi a audiência
Nesta terça-feira, 2, Moro foi ouvido, por volta de oito hora, por parlamentares de quatro comissões: de Constituição e Justiça; de Trabalho; de Direitos Humanos; e de Fiscalização Financeira e Controle. O ex-juiz federal afirmou que “algo” das mensagens vazadas pelo site The Intercept Brasil, envolvendo também o chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, pode ser “autêntico”, mas ressaltou que “palavras podem ser inseridas” e que o conteúdo obtido pelo site pode ter sido “parcial ou totalmente adulterado”.
Como informou a coluna Radar, nos vinte minutos iniciais a que teve direito para fazer suas considerações iniciais na Câmara, Sergio Moro manteve o discurso de que as mensagens publicadas pelo site foram obtidas por meio de “uma invasão criminosa hacker” nos celulares de procuradores da Lava Jato e que ele não reconhece a autenticidade do material. Para o ex-juiz, a obtenção e a divulgação do material buscam “invalidar condenações da Lava Jato e impedir novas investigações”.
“Não reconheço a autenticidade dessas mensagens, não tenho mais essas mensagens no meu celular, não tenho como ver as mensagens e dizer: ‘elas são minhas’”, declarou Moro, que se refere ao conteúdo como “supostas mensagens”. Ele afirmou que, após seis meses de inatividade no Telegram, os diálogos dos usuários são apagados, “inclusive na nuvem”.
A estratégia de governistas e de oposicionistas ficou clara desde o início da audiência. Os aliados de Moro e do governo Bolsonaro alegam que a Lava Jato foi responsável pela maior investigação de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do país. Os parlamentares de oposição, por sua vez, questionam a imparcialidade do então juiz federal na condução dos processos da força-tarefa. A analogia sobre um árbitro de futebol atuando a favor de uma das equipes foi utilizada diversas vezes por oposicionistas.
Líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS), citou reportagem de VEJA que mostrou, com exclusividade, que Moro indicou uma pessoa “aparentemente disposta” a falar sobre imóveis relacionados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado no caso do tríplex do Guarujá pelo magistrado. VEJA revelou que as testemunhas são o técnico em contabilidade Nilton Aparecido Alves, de 57 anos, e o empresário Mário César Neves, dono de um posto de gasolina também em Campo Grande.
Paulo Pimenta também questionou as ações tomadas por Moro à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba. Em resposta, o atual ministro da Justiça e da Segurança Pública disse que “a grande maioria” de suas decisões foi mantida em instâncias superiores.
Na audiência desta terça-feira, o ministro afirmou, mais de uma vez, que contatos entre juízes, procuradores e advogados são normais “na tradição jurídica brasileira” e que agiu “sempre com correção, com base na lei, na imparcialidade, decidindo os pedidos apresentados sem qualquer espécie de desvio”.
Líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ) pediu a Moro que apresentasse algum diálogo com a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como prova de sua imparcialidade. O ministro rebateu Molon, e disse que não estabeleceu relação com o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o petista, porque Zanin adotou “uma postura beligerante, ofensiva, beirando as ofensas em todas, praticamente todas, as audiências”.
O primeiro momento de bate-boca na sessão envolveu o deputado Rogério Corrêa (PT-MG) e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO). Corrêa chegou a chamar Deltan Dallagnol de “mau elemento” e “cretino” e foi respondido por Waldir, aos gritos. O presidente da CCJ, Felipe Francischini (PSL-PR), ameaçou encerrar a reunião durante a discussão.
“Se começar bate boca, que eu tô prevendo, vou encerrar a reunião. Quero saber se querem fazer o debate de forma civilizada, fazendo perguntas”, disse Francischini.
Após a segunda rodada de perguntas, Moro reconheceu que “até cabem críticas pontuais” à Operação Lava Jato, mas que o trabalho da força-tarefa foi “reconhecido, não só no Brasil, mas internacionalmente”.
Durante a audiência, Francischini ressaltou, mais de uma vez, que Moro não é obrigado a responder todas as perguntas dos deputados. Oposicionistas, no entanto, insistem em dois pontos específicos. Alessandro Molon questionou se Moro nega “peremptoriamente” algum dos diálogos atribuídos a ele, e a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) perguntou se é verdadeira a informação de que a Polícia Federal (PF), que faz parte do ministério da Justiça, solicitou ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) relatório sobre atividades financeiras do jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil.
O momento de maior descontração da audiência ocorreu por volta das 19h50, quando o deputado federal Boca Aberta (PROS-PR) entregou o “troféu da Liga dos Campeões” ao ministro. Para Boca Aberta, Moro “equivale ao troféu da Liga dos Campeões, cobiçado pelas maiores estrelas do futebol mundial”.
“O senhor, Sergio Moro, merece esse troféu, entregue pelo povo brasileiro, que não aguenta mais essa cambada de políticos safados, vagabundos, ordinários, ladrão do meu, do seu, do nosso, dinheiro”, disse Boca Aberta, que ainda desejou um “beijo no coração” do ministro. Sob vaias dos oposicionistas, o deputado entregou a taça ao ex-juiz federal.
Na Câmara, Moro enfrentou um ambiente muito mais hostil do que o que encontrou ao ir à CCJ do Senado falar sobre o mesmo tema — lá houve pouca pressão sobre ele e quase nenhum momento de tensão. Naquela ocasião, Moro reafirmou que as mensagens foram obtidas de forma ilegal, por um hacker, e que elas não revelam nenhuma irregularidade.
Na CCJ da Câmara, a oposição ao governo Jair Bolsonaro é maior e mais atuante, mas o ex-juiz chegou respaldado pelas manifestações de rua em seu apoio, ocorridas no domingo em dezenas de cidades brasileiras. Conforme informou a coluna Radar, deputados do PSL e do PT formaram fila em frente à CCJ, na manhã desta terça-feira, para disputar as primeiras inscrições na sessão.