A imagem ao lado foi captada no início do mês e ainda se constitui numa cena raríssima. Sergio Moro, o pré-candidato do Podemos a presidente da República, foi ao Recife lançar um livro e, num encontro com apoiadores, se deixou fotografar de calça jeans, mangas arregaçadas e um chapéu de sertanejo. Quem conhece o ex-juiz sabe que esse tipo de performance não combina com o formalismo que a liturgia da magistratura exige e do qual ele ainda tem muita dificuldade de se afastar. Terceiro colocado nas pesquisas de intenção de voto, o ex-ministro da Justiça é considerado uma alternativa para atrair o voto daqueles que rejeitam o petista Lula, que hoje aparece na liderança, e o presidente Jair Bolsonaro, o segundo colocado. Calcula-se que 9% dos eleitores, o que corresponde a 13 milhões de brasileiros, se enquadrem nesse perfil. A consolidação do ex-juiz como o favorito da chamada Terceira Via, porém, depende de outras variáveis.
A pouco mais de dez meses para as eleições, Sergio Moro tem uma modesta estrutura partidária, não conta com nenhum grande palanque estadual consolidado e a articulação política em torno de sua candidatura ainda é incipiente. Nas últimas semanas, um novo fator se somou a essa lista de gargalos: a falta de capilaridade junto ao eleitor que, embora conheça ele e a Operação Lava-Jato, está longe de considerar o combate à corrupção ou a defesa da prisão em segunda instância, duas das bandeiras do ex-juiz, como suas preocupações mais urgentes. Hoje, Moro, no melhor dos cenários, conta com 11% das intenções de voto. É um desempenho considerado relativamente satisfatório para quem nunca disputou uma eleição, tanto que o União Brasil, o superpartido em formação a partir da fusão do PSL e do DEM, já deu sinal verde para que alguns de seus dirigentes iniciem uma aproximação tática com o ex-ministro.
Historicamente, a legenda acumula uma enorme resistência a Moro, mas não tem candidato a presidente, conta com uma imensa estrutura nacional e um fundo bilionário para ser usado na campanha, o que pode provocar o fenômeno dos “opostos que se atraem”. Essa aproximação, segundo dirigentes do União, também rendeu o seguinte diagnóstico: se o objetivo é vencer a eleição, é preciso repaginar a figura de Sergio Moro e agregar outros temas ao discurso dele. O partido contratou uma empresa que tem monitorado nas redes sociais as citações ao ex-ministro. Os primeiros resultados mostram que ele é visto como elitista e o discurso anticorrupção empolga menos do que temas como carestia e desemprego. A última pesquisa DataFolha deu contornos ainda mais claros a essa constatação. O ex-magistrado, que atinge 9% das intenções de voto no levantamento, tem a imagem forjada essencialmente em dois temas — combate à corrupção e à violência —, enquanto Lula é associado a defesa dos pobres, experiência e combate ao desemprego, e Bolsonaro, mesmo amargando níveis recordes de rejeição, ainda mantém sua persona vinculada à religião e a valores tradicionais da família.
Diante desse cenário, Moro tem sido aconselhado a remodelar a imagem, aproximar-se de políticos de viés mais popular e apontar sua plataforma de governo para os eleitores das classes C, D e E. Esses três movimentos, calculam as lideranças do União, já seriam suficientes para ele capturar cerca de 10 pontos porcentuais nas intenções de voto. A questão é convencer o ex-juiz a mudar a imagem. Em uma reunião recente com o próprio Sergio Moro, políticos do União sugeriram que ele incorpore desde já à agenda da pré-campanha aparições em estádios de futebol, visitas a redutos populares, como quadras de escolas de samba, e participações em vídeos com celebridades simpáticas a seu projeto presidencial. Um dos nomes aventados por articuladores do projeto morista de popularização foi o do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que já reuniu 11 milhões de seguidores em uma única live. O ex-ministro ouviu as sugestões, mas não disse nem que sim nem que não.
De timidez pétrea, Moro não se sente confortável em se travestir de popularesco, mas deu indicativos de que pode abrir determinadas exceções, como o chapéu de sertanejo do Recife. Nos últimos dias, o ex-ministro foi às redes sociais responder a ataques dos adversários, elevou o tom das críticas a Lula e Bolsonaro e aceitou até mesmo se envolver numa discussão sobre o preço de um tênis que usou. No Podemos, partido do ex-juiz, integrantes da campanha afirmaram a VEJA que a prioridade de momento é manter conversas em busca de alianças e articulações políticas e que uma eventual mudança na imagem do pré-candidato deve ser discutida apenas no próximo ano. Diz um conhecido marqueteiro que, por estar em negociação de contratos eleitorais, pediu anonimato: “Há tempos o marketing não tem mais o poder de alterar a realidade. Tentar popularizar um candidato, já amplamente conhecido, por um caminho não genuíno, que não é condizente com a história dele, é um tiro no pé e pode gerar uma crise de identidade muito pesada e afetar toda a campanha”. Sergio Moro concorda integralmente com essa avaliação.
Publicado em VEJA de 29 de dezembro de 2021, edição nº 2770