Michel Temer: ‘Não se pode falar em revogar reformas, seria um retrocesso’
Procurado por emissários de Lula, ex-presidente defende iniciativas de sua gestão e descarta reaproximação com quem o chama de ‘golpista’ e ‘escravocrata’
Procurado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) há menos de um ano (para atuar como bombeiro após os ataques ao Judiciário que protagonizou nos atos de 7 de setembro) e por emissários do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos últimos seis meses, o ex-presidente Michel Temer (MDB) diz que ainda acredita na hipótese de a candidata a presidente pelo seu partido, Simone Tebet, deslanchar, a despeito do exíguo tempo para isso e dos parcos apoios internos e externos. Há poucos dias, ele recebeu a visita do ex-tucano Geraldo Alckmin, agora no PSB e candidato a vice na chapa de Lula, após as sinalizações da campanha petista de que, no caso de vitória do petista em outubro, poderiam ser revogadas medidas adotadas na sua gestão, como o teto de gastos e as reformas trabalhista, sindical e do ensino médio. Mas Temer relativiza os arroubos da candidatura petista. “Uma coisa é falar, outra é fazer quando ele sentar-se na cadeira de presidente. Se sentar-se”, diz. O que mais o incomoda Temer é a pecha de “golpista” atribuída a ele na esteira do impeachment de Dilma Rousseff (PT), de quem herdou o cargo presidencial, e que nunca deixou de sair das falas de petistas. “São equívocos verbais e políticos que impedem qualquer tipo de aproximação”.
Por que a terceira via não deslanchou em momento algum? De Luciano Huck a Sergio Moro, passando por Henrique Mandetta e João Doria, todos ficaram pelo caminho. Havia muitos candidatos para a chamada terceira via que depois desistiram. Ao desistir, no plano pessoal, desistiram também no plano político. O grande sucesso da terceira via seria se todos, reunidos, dissessem: “Olha, estamos desistindo pois estamos no plano de fulano e fulana. Vamos todos envidar esforços para esse nome”, mas isso lamentavelmente não ocorreu, fragilizando a terceira via. As pessoas foram deixando as candidaturas e deixando a terceira via.
E agora deixaram a Simone Tebet sozinha. Eu não diria sozinha, mas eu diria que eles deixaram o entusiasmo pela terceira via.
“Havia muitos candidatos para a chamada terceira via que depois desistiram. Ao desistir, no plano pessoal, desistiram também no plano político”
Mas a Simone Tebet, quase sem apoio interno e externo, não consegue sair do lugar. Ela tem todas as condições pessoais para ser uma grande gestora. Mostrou isso quando foi prefeita de Três Lagoas (MS), vice-governadora do Mato Grosso do Sul e no Senado. Agora eu reconheço que o índice dela nas pesquisas é pequeno, isso decepciona um pouco as pessoas. Mas ainda temos três meses até as eleições, é possível que haja mudança de quadro.
O senhor acredita mesmo? Já não era para ela ter deslanchado? Ela é a minha candidata. O ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro têm uma visibilidade nacional. Ela não tem visibilidade nacional. Esse é o problema dela. Se ela obtiver uma grande visibilidade, com grande pregação de ideias, ela pode crescer e eventualmente ser um fato novo.
Insisto: isso já não deveria ter acontecido? O ideal é que sim. Mas não podemos descartar que não venha a acontecer.
E nos estados, como vê o MDB? Há locais com entraves, como no Rio Grande do Sul, cujos representantes locais da legenda resistem em apoiar o PSDB. O MDB pode fazer diversos governadores pelo país. No Sul, o Gabriel Souza tem muito prestígio e o MDB lá sempre teve muito prestígio. No Pará, o Helder Barbalho vai muito bem. Assim como o Eduardo Braga, no Amazonas, e o André Puccinelli, no Mato Grosso do Sul. Temos chance de fazer quatro ou cinco governadores.
O senhor pode se reaproximar do ex-presidente Lula? Recentemente esteve com Geraldo Alckmin. Recebeu a visita de mais algum emissário petista? Faz seis meses que recebo alguns emissários do ex-presidente Lula, como advogados e políticos. Mas como você quer que eu me aproxime do PT se eles falam até hoje que sou golpista e escravocrata? São equívocos verbais e políticos que impedem qualquer tipo de aproximação. Como vou me aproximar de alguém que usa essa expressão falsa de golpe?
Chamam o senhor de golpista, mas vários políticos que foram a favor do impeachment, como o senador Renan Calheiros (MDB-AL), hoje são aceitos pelo PT. Só eu que fiquei como golpista. E ainda atacam as reformas que fizemos, como a sindical. No fundo, com essa revogação, eles querem retomar o imposto sindical.
Sobre as propostas de revogações de reformas feitas na sua gestão, como a trabalhista, o teto de gastos e a Lei das Estatais, o que foi tratado com Geraldo Alckmin? Tratamos apenas da reforma trabalhista. Ele me disse que não vão revogar. Muitas vezes você tem que atualizar. Veja o caso dos entregadores de aplicativos: quando criamos a lei, eles não existiam. Não se pode falar em revogação, pois seria um retrocesso. O que ocorreria também com a Lei das Estatais. Saiba que essa legislação salvou a Petrobras em um ano e meio. Caixa Econômica Federal, Correios, todos foram salvos. O Banco do Brasil, quando chegamos, suas ações valiam 15 reais. Hoje valem 45. Não sei se o objetivo das revogações não é eleitoreiro. Quando ele sentar-se na cadeira de presidente, ele saberá que há coisas que não se pode mexer. Se ele sentar….
Em um eventual segundo turno entre Lula e Bolsonaro, para que lado o senhor iria? Isso você me pergunte no segundo turno.
Mas o senhor irá se posicionar? Vou pensar nisso no segundo turno.
O senhor se encontrou no início da semana com o presidente de Portugal, Marcelo Rabelo. Pouco antes, Jair Bolsonaro havia desmarcado um almoço com o colega europeu. Ele falou algo com o senhor? Bolsonaro deveria ter encontrado com ele? Ele disse que tem grande prazer em me receber, depois foi se encontrar com o Fernando Henrique Cardoso. Toda vez que ele vem aqui, me chama para um café. Ou quando eu vou lá nos encontramos. Seria útil [se o Bolsonaro tivesse se encontrado], pois seria o primeiro momento para o início das comemorações do bicentenário da Independência. Seria bom para ambos os países.
No mesmo dia o senhor se encontrou com João Doria, que desistiu de concorrer ao cargo de presidente. O que faltou para ele, além de angariar apoios internos? Faltou entrosamento com o partido e também teve a questão da comunicação. Ele apareceu bastante, legitimamente, mas isso gerou muita reação do bolsonarismo.
No próximo 7 de setembro é possível haver novas manifestações como a feita no ano passado por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, com ataques ao Supremo e à democracia. Se isso ocorrer, o senhor vai atuar novamente como bombeiro? Não quero crer que ocorra algo em 7 de setembro que não a comemoração ao bicentenário da Independência.
Depois da atuação do senhor para mediar uma conversa entre Bolsonaro e o ministro Alexandre de Morares, o presidente disse que ambos fizeram um acordo para que uma carta fosse divulgada. O senhor desmentiu a fala de Bolsonaro. Por que ele não falou a verdade? O que houve foi uma conversa harmoniosa. Não ficaria bem para ambos acertar como isso ou aquilo seria julgado. Não sei se ele não falou a verdade. Talvez ele tenha entendido que dessa conversa harmoniosa resultariam decisões que ele esperava ver concretizadas. Talvez isso.
Como o senhor vê atuação do ministro Alexandre de Moraes, indicado na sua gestão, que é alvo de apoiadores bolsonaristas e acusado por eles de não respeitar trâmites processuais? Ele é um rigoroso cumpridor da Constituição. Ele é um constitucionalista conhecido. Não vejo exageros nas suas manifestações processuais.
“Estado de emergência é o que é, ou seja, só pode existir em momentos emergenciais. Estamos em momento emergencial às vésperas das eleições? Acredito que não”
A aprovação no Senado da “PEC Kamikase”, que amplia benefícios sociais a três meses das eleições e que criará um gasto bilionário para o próximo presidente, é amplamente alvo de críticas. Do senhor também? Estado de emergência é o que é, ou seja, só pode existir em momentos emergenciais. Estamos em momento emergencial às vésperas das eleições? Acredito que não. Se quisessem combater uma calamidade pública chamada miséria, eu acho que há mecanismos legais no sistema atual que permitem a recuperação dos vulneráveis. Não era preciso decretar estado de emergência, que, assim como o de sítio e o de defesa, são momentos excepcionais da vida político-institucional brasileira.
O senhor pode ser candidato nas eleições? Não está no meu horizonte, não penso nisso, embora em política nunca se sabe o que estará lá na frente.