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Manuela d’Ávila: ‘A esquerda precisa se abrir’

Fora do PCdoB, a ex-deputada diz que seu bloco ideológico precisa encarar o debate

Por Paula Freitas 2 nov 2024, 08h00
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  • Meus quatro irmãos não entendiam como, ainda criança, queria mudar tudo ao meu redor. Eram problemas bem maiores do que eu, tão pequena. Esse idealismo foi amadurecendo com a passagem do tempo, e acabei desaguando na política durante a juventude. Comecei os trabalhos na União Nacional dos Estudantes (UNE), equilibrando duas graduações — jornalismo e ciências sociais — com a militância. Tinha na cabeça que precisava agir no combate às mazelas sociais. E, seguindo essa trilha, fui eleita aos 23 anos como a mais jovem vereadora da história de Porto Alegre pelo Partido Comunista do Brasil, o PCdoB, onde permaneci por mais de duas décadas. Mas, depois de muito refletir, optei pelo afastamento do partido, por diferenças que debati exaustivamente, em processo longo, que vivi de forma discreta, em respeito à história que construímos juntos por tanto tempo. O PCdoB me deu régua e compasso, como diz a música do Gilberto Gil, e o final dessa relação foi como um divórcio muito doloroso.

    Uma das grandes divergências que tive no partido foi a formação da Federação Brasil da Esperança, que abrangeu PT, PV e PCdoB. Entendia que isso enfraqueceria nossa sigla, que perderia voz nas tomadas de decisão e seria, cada vez mais, relegada a um papel secundário. Claro que não foi apenas essa a razão que me fez mudar de rumo. Muitas outras vezes, nestes 25 anos, fui voto vencido dentro do próprio partido. Saber lidar com a derrota é parte integrante e inescapável do exercício da política — é desse jeito que a coisa funciona. Já senti em várias ocasiões o gosto amargo de ser derrotada nas urnas, como quando ocupei a vaga de vice na chapa de Fernando Haddad à Presidência, em 2018. Hoje, não sou uma mulher sem partido por opção, mas por falta de opção, de caminhos a seguir neste momento. E esta situação que agora experimento em minha trajetória que me deixa mais livre para falar. Precisamos de mais debate.

    Apesar de ser atualmente uma pessoa sem partido, acredito na relevância deles para a democracia. A esquerda é muito diversa, não é um bloco único, o que torna vital reconhecer essa variedade para construir uma unidade. Defendo com unhas e dentes, aliás, a criação de uma frente ampla que englobe os mais distintos setores da sociedade, ultrapassando barreiras ideológicas, para juntar o maior número possível de vozes contra o avanço da extrema direita e as ameaças à democracia. O que não pode acontecer é a esquerda deixar de debater sua própria agenda com medo de ser acusada de fortalecer o bolsonarismo. A pauta de valores é frequentemente usada como bode expiatório para nossas derrotas. Será que não estamos conseguindo mostrar nossos valores à sociedade? Ou estamos deixando a extrema direita falar por nós? Enquanto eles trazem à luz a ideia de mulheres troféus, submissas aos maridos, estamos verdadeiramente iluminando a discussão com alternativas para que a fatia feminina da população viva com dignidade diante de uma realidade de violência crescente?

    Tudo o que eu quero é ajudar a formar um movimento que acredite na necessidade de entrar na disputa política com uma visão transformadora para o país. Não ocupo cargos públicos desde janeiro de 2019. Não sou herdeira de nada, por isso trabalho com o que sei fazer — e faço bem. Sou sócia da D’Ávila & Schaidhauer, uma consultoria focada na área política. Em nossa empresa, atendemos campanhas as mais diversas. Só neste pleito, foram sete, todas à esquerda. Em 2022, auxiliamos o PSD, em Minas Gerais, que também estava junto à esquerda. Como estrategista, escolho a dedo clientes que, de uma forma ou outra, se alinhem com meu ideário. Atuo com toda a independência, apostando que a esquerda vai voltar a travar o bom diálogo com o povo.

    Manuela d’Ávila em depoimento a Paula Freitas

    Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2024, edição nº 2917

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