Protestos contra o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) levaram milhares de pessoas às ruas neste sábado, 29, em todas as capitais brasileiras e outras dezenas de cidades. Os atos liderados por centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda, dividiram legendas por contrariar as medidas de isolamento. Houve enormes aglomerações, especialmente nos atos em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Brasília e em Porto Alegre.
Em todas as manifestações, faixas, cartazes e palavras de ordem condenavam a postura de Bolsonaro no enfrentamento à pandemia e cobravam o seu impeachment. Também foram registrados apelos pela retomada do auxílio emergencial de 600 reais, medidas de combate ao racismo e à violência policial, e homenagens às mais de 460.000 pessoas mortas em razão da Covid-19. As recomendações para que todos os manifestantes utilizassem máscaras foram seguidas.
Em Brasília, a manifestação teve início pela manhã próximo ao Museu Nacional da República e desceu pela Esplanada dos Ministérios, ocupando todas as seis faixas da via. Um grande boneco inflável de Bolsonaro, caracterizado com o bigode ao estilo de Adolf Hitler e com as mãos sujas de sangue, chamava a atenção. Durante o protesto, os participantes, além de criticarem o governo federal e pedirem pela aceleração do ritmo de vacinação no país, ampliaram as reivindicações: saíram em defesa do auxílio emergencial, da valorização da educação e do Sistema Único de Saúde (SUS), além de repudiarem à violência contra os povos indígenas.
No Distrito Federal, os protestos tiveram o apoio de representantes da União Nacional dos Estudantes (UNE), do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), do Andes (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior), entre outros. Embora tenha reunido milhares de pessoas, a Polícia Militar informou que não calculou um número oficial de participantes. “O ato de foi feito por pura necessidade, porque nós temos um governo que está promovendo o genocídio no nosso país. Está matando de Covid, ao ter recusado mais de 10 ofertas de vacina. Está matando de fome, porque instituiu um auxílio emergencial totalmente insuficiente”, argumenta Bruno Zaidan, coordenador do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UNB (Universidade de Brasília) e um dos organizadores do ato em Brasília.
Boulos: “Bolsonaro é mais perigoso que o vírus”
O maior ato aconteceu na Avenida Paulista, que chegou a ter dez quarteirões ocupados por manifestantes. Guilherme Boulos, coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) e da Frente Povo Sem Medo, marcou presença e defendeu a realização do protesto em meio áà pandemia. “Viemos aqui hoje para dizer que já basta, que o governo Bolsonaro é mais perigoso do que o vírus”, afirmou a VEJA o ex-candidato a prefeitura da cidade pelo Psol. “Isso forçou milhares de pessoas no Brasil inteiro para dizer que não vamos observar passivamente nosso povo morrer de vírus e de fome até 2022”.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, também participou da manifestação. “Ninguém está errado, nem quem veio, e nem quem preferiu ficar em casa. O único errado nessa história é o Bolsonaro”, discursou Gleisi, citando o dilema entre combater a postura negacionista do governo promovendo aglomerações.
Assim como no Distrito Federal, que teve o presidente como alvo central, as manifestações espalhadas pelo país abarcaram várias reivindicações sociais. Em vários locais havia faixas contra as privatizações da Eletrobras e dos Correios e cartazes pedindo solução para crimes como o do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), ocorrido em março de 2018 no Rio de Janeiro e até hoje sem um desfecho.
No Rio, o desgaste do presidente reforçado na CPI da Covid no Senado e a resposta às mobilizações bolsonaristas recentes ficaram evidentes. Os manifestantes se concentraram, às 10h, no Monumento a Zumbi dos Palmares, na Avenida Presidente Vargas, no Centro da Cidade, e seguiram em passeata até o Largo da Carioca. Entre as muitas palavras de ordem, os participantes entoaram gritos como “Bolsonaro Genocida”. Em várias camisetas e cartazes, uma frase personificava as críticas às políticas do governo federal: “Cemitério cheio, geladeira vazia”.
Em Belo Horizonte, o protesto começou ainda cedo, por volta das 9h, quando bandeiras de movimentos populares começaram a ser erguidos e o público começou a se movimentar na Praça da Liberdade. Manifestantes também gritavam expressões contra o presidente e contra o prefeito Alexandre Kalil (PSD), que disse que poderia cortar o salário dos professores que entrassem em greve. Estavam presentes partidários do PT, PSOL, PCdoB, entre outros.
Violência em Recife
Na capital pernambucana, o protesto terminou com tiros de balas de borracha, bombas de gás lacrimogênio e muita correria. Segundo os organizadores, tudo corria de forma pacífica e com um certo distanciamento entre as pessoas, quando os manifestantes foram surpreendidos por policiais da tropa de choque da PM bloqueando a rua, no final do percurso. Os participantes teriam parado a 200 metros da guarnição e, ainda assim, os policiais teriam começado os ataques e gerado correria e pânico. Entre as vítimas está a vereadora Liana Cirne (PT), atacada com gás de pimenta enquanto tentava negociar com a PM. Ela precisou ser socorrida.
À tarde, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), anunciou que o comandante e os policiais militares que participaram da agressão à vereadora foram afastados de suas funções e serão investigados. A agressão ocorreu no Centro de Recife, na ponte Santa Isabel, que fica no bairro de Santo Antônio. Houve um fato ainda mais grave. Segundo informações do portal Uol, Daniel Campelo, um homem de 51 anos que passava pelo local, foi atingido por uma bala de borracha durante ação da PM e teve uma lesão nos olhos que o fez perder a visão do olho esquerdo. Ele aparece em várias fotos do protesto sendo socorrido com sangue no rosto.
Divisão entre partidos e grupos de esquerda
A convocação e a organização dos atos de hoje ficaram a cargo de entidades como Frentes Povo Sem Medo, Frente Brasil Popular, o Povo na Rua, acompanhadas do Fórum pelos Direitos & Liberdades Democráticas. Em vários pontos, foram empunhadas bandeiras de partidos de esquerda (PT, PSOL, PCdoB e PSTU), e de vários movimentos estudantis e sindicalistas ligados às universidades públicas.
Organizações trabalhistas como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) encorparam os atos que dividiram diversas alas, inclusive da esquerda. Foi feito um apelo para que os manifestantes usassem máscaras – o que foi seguido pela maioria. Em alguns locais chegaram até a ser distribuídos protetores faciais e álcool em gel, mas as regras de distanciamento social foram descumpridas em quase todos os locais.
Mesmo entre os partidos que endossaram a iniciativa (PT, PSOL, PC do B, PCB, PCO e UP) não houve unanimidade em relação aos protestos. O governador da Bahia, o petista Rui Costa, incentivou a realização apenas de atos virtuais, seguindo exemplo do PT de Pernambuco. Os grupos de esquerda que aderiram aos protestos consideram que o número de mortes e os índices de desemprego e fome exigiam medidas drásticas. Há ainda a percepção de que os atos fortalecerão a CPI da Covid e deixarão Bolsonaro acuado.