O ex-todo-poderoso ministro dos governos petistas José Dirceu sentou-se, com relativa discrição, na última fileira de cadeiras que separava políticos e convidados chamados para assistir à partida entre Brasil e Coreia na segunda-feira, 5, na casa de um importante advogado em Brasília. Com o jogo morno no segundo tempo e a vaga para as quartas de final praticamente garantida, as comemorações e brindes com caipirinha, cerveja e vinho branco pelos quatro gols da seleção foram paulatinamente sendo substituídos por discretas negociações políticas.
Entre idas ao bufê onde eram servidos feijão tropeiro e picanha – sim, o prato a que Lula se referia ao exaltar nas campanhas os tempos de bonança de seus governos –, o ex-governador de Pernambuco Paulo Câmara (PSB) e o ex-deputado Marcelo Freixo (PSB) se revezavam para, sem atrapalhar a partida, manter conversas ao pé do ouvido com Dirceu. Ambos ambicionam ocupar um ministério no futuro governo e negociavam a bênção de quem conhece como poucos as entranhas do PT para chegar lá.
A reabilitação política de José Dirceu, que de camisa branca destoava das autoridades vestidas de verde e amarelo para o jogo, não é só aparente e tampouco começou a ser construída após a vitória de Lula nas urnas. Ao longo da campanha, quando aliados do governo eleito ainda discutiam pré-condições para compor o arco de alianças que levaria à derrota de Jair Bolsonaro, Dirceu já mantinha contatos frequentes com integrantes do MDB, que na época tinham a senadora Simone Tebet como candidata ao Planalto, e, em especial, com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), conhecido desafeto da parlamentar dentro do partido.
Respeitado na legenda por, entre outras coisas, ter absorvido as condenações impostas pelo mensalão e pelo petrolão sem sucumbir a um acordo de delação premiada, Dirceu foi procurado por diversas vezes por emedebistas para dar a temperatura exata sobre os aliados que circundam o governo que tomará posse em janeiro e, mais importante, para detalhar “como funciona a cabeça do pessoal novo do PT”.
No auge da Lava-Jato, quando, já condenado, apenas aguardava a ordem para começar a cumprir pena, Dirceu afirmou a interlocutores de sua extrema confiança que o PT como ele conhecia havia “morrido” e que a sigla deveria “tocar o partido sem a velha guarda”. Reabilitado em rodas de conversas políticas como a do MDB e, recentemente, como a promovida pelo advogado, o ex-ministro, pelo que se viu, já não pensa mais assim. Depois do fim do jogo, com a mesma discrição da chegada, ele deixou o local.