Ao cumprir, na manhã do último dia 3 de maio, uma ordem de busca e apreensão na casa de Jair Bolsonaro e uma determinação de prisão contra Mauro Cid, ajudante de ordens do ex-presidente, a Polícia Federal dava mais um passo na investigação que colocava o ex-mandatário sob a suspeita de se beneficiar de uma associação criminosa que fraudou cartões de vacinação contra a Covid. Naquela mesma quarta-feira, porém, também foi recolhido o telefone celular de Cid, um verdadeiro arquivo vivo do último governo derrotado nas urnas, e nele policiais encontraram uma proposta para a decretação de um estado de sítio no país. Previsto na Constituição em situações extremas, o estado de sítio é decretado pelo presidente da República em casos como “comoção grave de repercussão nacional” ou “declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira”, mas, na avaliação de bolsonaristas, poderia ser sacado simplesmente porque o ex-presidente considerava que o Supremo Tribunal Federal (STF) em geral e o ministro Alexandre de Moraes em particular estavam extrapolando suas funções.
O documento, descoberto por acaso após Cid enviar para si próprio três imagens de textos, em um aparente backup, integra um detalhado plano golpista, revelado com exclusividade na edição de VEJA que chega neste fim de semana às bancas e plataformas digitais.
O texto sobre o estado de sítio é um arrazoado sobre a necessidade de “decisões judiciais justas e legítimas” e a importância de autoridades manterem a lisura de seus atos e evitar desvios de finalidade e “arbitrariedade supralegais” e afirma que Alexandre de Moraes tem extrapolado suas atribuições como juiz, cantilena repetida há quatro anos por apoiadores do ex-presidente. “O juiz de Direito (seja ele ministro do STF, ou não) nunca pode agir sem a devida e esperada conformação de suas decisões à moralidade institucional. Enquanto ‘guardiões da Constituição’, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, STF, também estão sujeitos ao ‘Princípio da Moralidade’, inclusive quando promovem o ativismo judicial”, diz um trecho do documento.
Na sequência, são listados exemplos que, na interpretação dos autores (não identificados) do papelucho, provocaram “desvirtuação da ordem constitucional pelos Tribunais Superiores”: a presidência de Moraes no TSE e seus “vínculos” com o atual vice-presidente Geraldo Alckmin, o que supostamente deveria gerar suspeição do magistrado para atuar nas eleições; a decisão do TSE de não levar adiante a “denúncia” de que rádios não estavam divulgando propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro na campanha; e pretensas dificuldades para que militares atuassem em uma auditoria paralela das urnas eletrônicas.
Ao fim, diante desse estado de coisas, o documento encontrado em poder de Mauro Cid afirma que “para assegurar a necessária restauração do Estado Democrático de Direito no Brasil, jogando de forma incondicional dentro das quatro linhas, com base em disposições expressas da Constituição Federal de 1988, declaro o Estado de Sitio; e, como ato contínuo, decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem”.