Durante as investigações sobre o uso de informação privilegiada pela JBS para faturar no mercado financeiro, a Polícia Federal descobriu um grupo de WhatsApp que, além dos irmãos Joesley e Wesley Batista e de advogados da JBS, tinha entre os participantes o ex-procurador da República Marcello Miller, pivô do escândalo que levou à suspensão dos benefícios do acordo de delação premiada fechado pelos empresários com o Ministério Público.
Marcello Miller foi um dos principais auxiliares do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nas investigações da Operação Lava Jato.
O grupo de WhatsApp foi criado em 31 de março deste ano, três dias após os irmãos Batista terem assinado um acordo de confidencialidade com a Procuradoria-Geral da República, já como parte da negociação da delação premiada. Àquela altura, Marcelo Miller ainda estava formalmente vinculado ao Ministério Público Federal – ele pediu para sair da instituição em 23 de fevereiro, teve a exoneração publicada em 5 de março, mas como tinha férias vencidas só se desligou em 5 de abril.
Para a Polícia Federal, Miller foi cooptado pela JBS quando ainda era procurador da República. Com base nas trocas de mensagens entre os dirigentes da empresa e o ex-procurador, os delegados encarregados da investigação afirmam que a parceria configura o crime de corrupção – corrupção passiva por parte de Marcello Miller e corrupção ativa por parte dos donos da JBS.
Além dos irmãos Batista e de Miller, o grupo de WhatsApp incluía Francisco de Assis e Silva, diretor jurídico da holding da JBS, a advogada Fernanda Tórtima, contratada para defender o grupo, e Ricardo Saud, o principal executivo da dupla Joesley-Wesley.
Marcello Miller se manifestou pela primeira vez no grupo apenas em 4 de abril, véspera de seu desligamento definitivo da Procuradoria. Antes, porém, os demais costumavam mencioná-lo com frequência em diálogos que, segundo a Polícia Federal, evidenciam os serviços prestados para a JBS no período em que ainda integrava formalmente a Procuradoria.
Em 27 de março, por exemplo, Wesley Batista pergunta a Francisco de Assis, o diretor jurídico da empresa: “Francisco, amanhã o Marcello vai estar lá em Brasília conosco?”. Francisco responde: “Amanhã ele tem expediente no atual emprego dele e ele não pode não”. A viagem dos irmãos a Brasília, no dia seguinte, seria justamente para a assinatura do acordo de confidencialidade a Procuradoria – etapa preliminar da negociação da delação. Francisco, na sequência, avisa: “Estou tentando levar o Marcello amanhã”. “Blz [beleza] acho super importante”, comemora Wesley.
Reunião com o “rapaz do Rio”
Em outra mensagem, posterior à assinatura do acordo de confidencialidade, o diretor jurídico da JBS tenta combinar uma viagem com Wesley, na companhia de outro executivo da empresa que também negociava delação, para se reunirem com o “rapaz do Rio”. O encontro, na capital fluminense, serviria para definir os capítulos da delação. O “rapaz do Rio”, segundo a PF, seria Marcelo Miller – que, observam os agentes, ainda estava vinculado ao MPF.
Diz Francisco de Assis: “Eu estava falando com o rapaz do Rio, vê se você se agenda aí, ele não consegue sair de lá, precisa da sua agenda para na sexta-feira a gente ir lá, no Rio, durante o dia, eu, você e o Boni [Valdir Boni, diretor da JBS], para a gente sair de lá. Para ter sexta-feira pronto o seu e o do Boni. Porque eu acho que no máximo no final da semana que vem a gente tem que entregar a papelada escrita”.
“O propósito da reunião possivelmente seria obter mais orientações de Marcello acerca das negociações da delação, visto que a partir da assinatura do termo de confidencialidade, os irmãos Batista teriam que rapidamente apresentar seus anexos e provas que lhe garantiriam a formalização do acordo”, concluíram os investigadores da PF ao analisar as mensagens.
Quando se manifesta pela primeira vez no grupo, no dia 4 de abril, Miller transmite informações atualizadas sobre as negociações de um acordo de leniência entre a JBS e o Departamento de Justiça dos Estados Unidos – o que, para os policiais federais, é mais uma evidência de que, “ainda na posição de procurador”, Miller “já estava atuando nos interesses do grupo empresarial”.