Fernando Collor de Melo ficou em terceiro lugar na disputa pelo governo de Alagoas. Teve pouco mais de 223 000 votos, um retumbante fracasso para quem já foi o político mais poderoso do país. Em janeiro de 2023, também termina o mandato dele como senador, o que, em tese, pode significar o fim de uma carreira marcada por sucessos, fracassos e, principalmente, por grandes e barulhentas polêmicas. Collor foi o primeiro presidente da República eleito depois da redemocratização do país em 1989. Foi também o primeiro a sofrer um processo de impeachment. Afastado por corrupção, acabou absolvido na época pelo Supremo Tribunal Federal (STF) — não por ser inocente, mas por questões processuais. Com os direitos políticos cassados, mudou-se com a família para os Estados Unidos. Parecia o fim da carreira. Em 2006, porém, de volta ao Brasil, ele decidiu — e conseguiu — recomeçar, se elegendo e reelegendo ao Senado. Desta vez, o recomeço não será uma missão tão simples.
Aos 73 anos, Collor acumula problemas de toda ordem. Na política, como se viu, o senador não goza mais do prestígio de outros tempos. Como empresário, enfrenta enormes dificuldades. O senador tem débitos superiores a 390 milhões de reais apenas em impostos não recolhidos por suas empresas. Ele é dono de um conglomerado de comunicação em Alagoas que chegou a faturar 44 milhões de reais por ano. O grupo, atolado em dívidas, está em recuperação judicial desde 2019. Na semana passada, o Ministério Público solicitou a abertura de inquérito para apurar irregularidades no processo. De acordo com os promotores, há indícios de operações milionárias e ilegais que foram realizadas em benefício dos sócios. Uma delas teria provocado um desfalque de 6,4 milhões de reais no caixa das empresas. Outros 16 milhões teriam sido desviados para a compra de carros e imóveis de luxo.
Em 1994, dois anos depois de ser afastado da Presidência, Collor foi julgado pelo STF. A acusação pediu a condenação do ex-presidente por corrupção passiva, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Apesar do enorme volume de provas atestando que ele se locupletou de dinheiro arrecadado com empreiteiras que prestavam serviços ao governo, os ministros da Corte entenderam que a acusação não deixou claro quais foram os benefícios que as empresas teriam efetivamente recebido em troca dos recursos doados. Na quinta-feira 20, o ex-presidente voltou ao Supremo na condição de réu. Ele começou a ser julgado por outro escândalo de corrupção — aliás, bem parecido com o primeiro. A Operação Lava-Jato descobriu que o senador recebeu 29 milhões de reais em propina no escândalo da Petrobras. O dinheiro foi usado para comprar obras de arte, imóveis e carros de luxo que foram apreendidos pela polícia. Se condenado, Collor está sujeito a uma pena que pode chegar a trinta anos de prisão.
Os problemas do ex-presidente com a Justiça incluem ainda um longo e conturbado processo de separação. A ex-primeira-dama Rosane Collor cobra do ex-marido uma indenização de 5 milhões de reais. O litígio se estende há quase duas décadas e envolve uma disputa por bens que não foram incluídos na repartição. O senador já foi condenado em última instância a ressarcir a ex-mulher, mas até hoje não quitou a dívida. Há outros dois processos tramitando na Justiça envolvendo o casal. Derrotado nas urnas, Collor confidenciou a amigos que pretende se afastar da política. Planeja passar um tempo com a família no exterior. Isso não quer dizer que ele se afastará completamente de Brasília. Antes de se candidatar ao governo de Alagoas, o ex-presidente considerou a hipótese de disputar uma vaga na Câmara dos Deputados. Depois, optou por concorrer ao Executivo. Ele perdeu a eleição, mas ajudou Bolsonaro a reforçar o palanque num estado governado por opositores. Ex-presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Collor espera ser recompensado por isso com uma indicação para ocupar o posto de embaixador em algum país europeu. Antes, precisará se livrar desse imenso passivo judicial, especialmente da acusação de corrupção, e, claro, torcer para que Bolsonaro seja reeleito.
Publicado em VEJA de 26 de outubro de 2022, edição nº 2812