No último dia do mandato, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou nesta terça-feira, 17, um parecer pedindo que o Supremo Tribunal Federal (STF) declare a inconstitucionalidade de seis decretos do governo Jair Bolsonaro que alteraram as regras de porte e posse de armas.
Em outra ofensiva contra os interesses do Palácio do Planalto, a procuradora entrou com três ações no STF que contestam medidas defendidas pela gestão Bolsonaro: o projeto Escola sem Partido e as mudanças promovidas pelo governo federal nas composições dos conselhos nacionais do meio ambiente (Conama) e dos direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).
Para Dodge, as alterações nas regras de posse e porte de armas em decretos assinados por Bolsonaro afrontam “o princípio da separação dos poderes” e substituem o papel do Poder Legislativo “na tomada de decisão acerca da política pública sobre porte e posse de armas de fogo”. O parecer da procuradora foi encaminhado no âmbito de uma ação ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade em maio.
“A via adequada para a alteração e substituição de política pública sobre a comercialização, posse, porte de arma de fogo é a instauração de processo legislativo no âmbito do Congresso Nacional, locus destinado à deliberação democrática dos temas mais caros à ordem constitucional brasileira. Tanto é assim que tramitam nas Casas Legislativas inúmeros projetos de lei que objetivam a alteração do Estatuto do Desarmamento, inclusive um de autoria do Presidente da República”, observou a procuradora-geral.
O mandato de Raquel Dodge chegou ao fim nesta terça, após Bolsonaro decidir não reconduzir a procuradora para mais dois anos de mandato. O presidente escolheu o subprocurador-geral da República Augusto Aras para sucedê-la. O nome de Aras, porém, ainda precisa ser aprovado pelo Senado.
Em outra ação que mira uma das principais bandeiras políticas do presidente (o projeto Escola sem Partido), Raquel Dodge pediu que o Supremo conceda imediatamente uma liminar para suspender qualquer ato do Poder Público “que autorize ou promova a realização de vigilância e censura da atividade docente com base em vedações genéricas e vagas à doutrinação política e ideológica” e “à abordagem de questões relacionadas a gênero e sexualidade no ambiente escolar”.
“Não será esterilizando o processo educativo à reflexão e ao embate ideológicos que se obterão melhores resultados no desenvolvimento dos alunos. A veiculação de ideias contrárias à convicção de alunos, pais e responsáveis não gera, por si e automaticamente, nenhuma consequência indesejável, considerando a capacidade crítica dos alunos, a interação com os pais e as próprias características dos processos intelectuais. Entre a vedação apriorística de conteúdos e a liberdade de ensino, esta é preferível”, defendeu a procuradora.
Dodge também entrou com ação no Supremo contra um decreto de Bolsonaro que altera as regras de composição do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que viu o número total de representantes cair de 28 para 18. O governo também alterou o método de escolha das entidades representantes da sociedade civil, que agora serão escolhidos em processo seletivo elaborado pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. O decreto também proíbe a recondução dos representantes das entidades não governamentais.
“Como resultado dessas mudanças, o caráter democrático participativo do Conanda foi praticamente esvaziado, sendo que o órgão está sob risco de perder sua razão de ser enquanto fórum encarregado da elaboração de políticas voltadas para o público infanto-juvenil”, escreveu.
Já no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), Dodge contesta a redução de 11 para 4 representantes de entidades ambientalistas com assento no colegiado e a diminuição de 2 anos para 1 ano no mandato das entidades ambientalistas.
“Como resultado dessas mudanças, o caráter democrático participativo do Conama foi praticamente esvaziado, sendo que o órgão está sob risco de perder sua razão de ser enquanto fórum encarregado da elaboração de políticas ambientais”, criticou.
“Como se vê, as mudanças afetaram de forma mais substancial a forma de representação do grupo da sociedade civil, cujos assentos sofreram redução de mais de 80% (de 22 para 4 vagas). Além dessa drástica redução, houve ainda uma profunda alteração na pluralidade representativa: representantes dos trabalhadores, da comunidade indígena, de populações tradicionais e da comunidade científica tiveram seus assentos extintos”, afirmou a procuradora.
(Com Estadão Conteúdo)